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Mostrando postagens de 2020

O privilégio de ter uma área verde para chamar de minha

Uma caminhada de seis minutos, com 400 metros e uma boa subida, que não chega a incomodar, me separa da área verde mais próxima de onde moro, privilégio compartilhado por grande parte das pessoas que vivem na Zona Oeste de São Paulo, mas bem mais raro para habitantes de outras regiões. Sei disso porque nem sempre morei aqui. Na Zona Norte, onde fui criada, há apenas as ladeiras e as calçadas ruins em comum; praças e parques são raridade. O Centro, mais antigo, também é bem serviço de praças, mas poucas com as características de local para exercício e convívio com a natureza, parte pelo grande movimento, parte pela urbanização que não privilegia esse uso. O Vale do Anhangabaú é um exemplo sobre o qual tenho até preguiça de comentar. De volta à cidade – aos poucos – após quase sete meses de exílio no interior, percebo mais intensamente a importância dessas áreas. Já não temos horizonte para acompanhar o caminho do sol, da lua, das estrelas - deve ser por isso que alguns passaram a acredi

Verde traz saúde e bem-estar às pessoas

  Todo mundo deveria ter uma área verde pública perto de casa, ou seja, na qual pudesse ir a pé. Na Zona Oeste de São Paulo, onde moro, isso é relativamente comum, mas não é padrão na cidade nem na maior parte do país. Visitei cidades na Amazônia onde os moradores não devem saber o que é isso (e não estou sendo irônica). Em Jarinu, onde tenho ficado a maior parte do tempo desde o início da pandemia, esse luxo também não existe. Em escala nacional – ou até planetária -, as grandes unidades de conservação, que protegem biomas, ecossistemas e espécies, são as mais importantes e há tratados e compromissos internacionais que indicam as necessidades mínimas para países e para a biodiversidade. Mas pouco se tem de concreto sobre a quantidade e como devem ser as áreas protegidas urbanas. Cada município deve trazer isso em seus planos diretores, mas a impressão é que praticamente nenhum leva isso realmente a sério. Quanto de áreas verdes deveria ter uma área urbana em relação a seu território

Com vontade política, país pode gerir bem suas áreas protegidas

  O calor fora de época e de bitola dificultam a vontade de escrever ou fazer qualquer coisa. Quem sabe os cientistas estejam todos errados e as altas temperaturas sejam apenas um ponto fora da curva, como pregam os negacionistas. Ou sempre fez calor assim, nós que esquecemos ou os termômetros foram finalmente calibrados. Mesmo de brincadeira, acho difícil pensar em asneiras como essas. Imagino o que passa pela cabeça de mitômanos como o fulano que enviou discurso em nome do Brasil quarta-feira (30/9) à cúpula sobre biodiversidade da ONU e voltou a dizer que as ONGs comandam crimes ambientais e que seu governo está combatendo o desmatamento, sem provas ou mínimas evidências. O mais triste é que assistimos ao vivo um filme de terror que poderia ser muito diferente caso não fosse dirigido por vilões tão caricatos. Ao contrário do que apregoam os responsáveis pelo circo de horrores que nos tornamos, o país tem uma sociedade civil, boa parte dela organizadas em ONGs, altamente empenhad

Unidades de conservação geram recursos econômicos para o país

Há um mito, provocado pela ignorância, de que unidades de conservação (UC) não possuem valor econômico. A base dessa crença é o desserviço bancado pelos interessados na ocupação das terras que deveriam estar ou estão sob proteção – grileiros, madeireiros, garimpeiros, agropecuaristas – e os políticos que os representam (em número exponencialmente maior do que a representatividade que esses setores têm na população). Outra dificuldade, que começa a ser vencida, é explicitar esse valor em números. O valor econômico de uma unidade de conservação é calculado a partir da variação do bem-estar das pessoas devido a mudanças na quantidade ou qualidade de bens e serviços ambientais que ela propicia. Valorar seus recursos ambientais é a melhor forma de calcular monetariamente as perdas ou ganhos da sociedade diante da variação da quantidade e tamanho dessas áreas protegidas. Mas não só. As UC geram recursos também a partir da geração direta de renda, seja por meio dos serviços turísticos , seja

Dilemas de nossos dias

  Assisti a The Social Dilemma , na Netflix, e não fiquei confortável. A primeira impressão é que a polarização criada pelas redes sociais é apenas reflexo da burrice ou má intensão de parte (significativa) da população – o que já se intuía. O documentário mostra que as empresas do Vale do Silício se aproveitam dessas fraquezas para ficar trilhardárias e estão se lixando se isso leva o mundo para o buraco. Se há quem queira crer que a terra é plana, mudança climática e covid não existem e Bolsonaro é um bom presidente, porém, como não haver divisão? Acreditar que com regulações para a internet o problema será contornado, como os entrevistados dizem no filme, é de uma ingenuidade que condiz com a mágica que atribuem à inteligência artificial. A narrativa é feita para tocar o terror e não nos deixar dormir. Associam a internet às drogas – “são os dois segmentos que chamam seus clientes de ‘usuários’” - e seguem o mesmo padrão de apavorar pais: adolescentes abobados e sem vontade própria

O que ameaça as áreas protegidas brasileiras?

Parece piada fazer essa pergunta no momento em que quase todos os biomas brasileiros estão sob ataque, principalmente governamental, e metade da população brasileira apoia o governo. Ou seja, os algozes de nossas áreas naturais somos os brasileiros mesmo. Se com essa postura estivéssemos apenas nos condenando a uma vida que tenderá a ficar desesperadora, acho que me preocuparia menos, pois é uma opção civilizatória. Mas as cenas que temos presenciado da carnificina animal, sobretudo pelo fogo no Pantanal, são das mais indignas de nossa história recente, que não é lá grande coisa. As áreas protegidas deveriam ser nossas principais aliadas para reverter as mudanças climáticas que já não se fazem de rogadas, mas a falta de entendimento sobre sua importância e prioridades tortas as têm ameaçado sempre, com tendência crescente nos últimos anos. Ou seja, ao invés de estarmos aumentando o número dessas áreas e investindo pesado para que sejam bem geridas, assistimos a um ataque sistemático a

É mentira que Brasil tem áreas protegidas demais

  O Brasil arde em chamas e boa parte da população ainda cai no conto do vigário de que fogo não é fogo, fogo aparece sozinho, floresta é mato e existe mesmo para queimar (e depois plantar commodity, criar gado ou minerar). Pantanal, Amazônia, Cerrado e até o pouco que resta da Mata Atlântica estão indo para o espaço, em forma de fumaça, e brasileiro médio preocupado com os incêndios das mansões da Califórnia. Enquanto nossos biomas agonizam e as populações que deles dependem vivem em situação de guerra, incentivada pelo governo federal, mas não só, a ladainha de que há muita área conservada, muita terra pra pouco índio (e pouca pra latifundiário) e nosso agro é pop continua a ser recitada em verso e prosa. Mas são informações que, como tantas outras nesses tempos sinistros, não correspondem aos fatos. O Brasil é o quinto maior país em território do mundo, com seus 8.516.000 km 2 . Desse total, 18% são cobertos por unidades de conservação (UC), que somam aproximadamente 1,6 milhão de k

Todos deveríamos querer uma área protegida por perto

Na minha ilusão de amante da natureza e estudiosa da sua importância, áreas protegidas não apenas são imprescindíveis como também deveriam ser adoradas pela população, que faria de tudo para mantê-las da melhor forma possível e lutaria para que muitas delas fossem criadas em todo lugar. Ao contrário, o que vemos é um esforço deliberado para destruir avidamente o que temos – vide as invasões garimpeiras e grileiras nas terras indígenas e os desmatamentos e incêndios que não poupam unidades de conservação em todo o território nacional. Imagens do Pantanal, da Amazônia e do Cerrado em chamas - mas não só, como vimos até na Serra do Japi, em São Paulo, pertinho de onde estou (daqui a pouco voltamos a ela...) - são mais uma coisa a me assombrar nesta pandemia político-sanitária que nos assola. Praticamente todas as áreas protegidas que temos foram criadas a duras penas, a partir do esforço coletivo de pessoas e organizações que tiveram que enfrentar batalhas, algumas sangrentas, para garant

Mulheres odiadas (e violentadas)

Me programei para escrever nesta semana sobre áreas protegidas, um tema que acompanho há tanto tempo e mais um dos que só trazem péssimas novidades. Queria comentar o desespero que são as queimadas e o desmatamento sem precedentes que tomaram conta do país e as desventuras em São Paulo, com toda a mobilização que a sociedade civil foi obrigada a fazer para evitar que a Fundação Florestal fosse extinta. Também pretendia ser leve e abordar a importância dessas áreas para nossa vida, inclusive como refúgio que espero se tornem para humanos terem momentos de lazer e um pouco de liberdade pós-pandemia. Eu e minhas filhas, quando tinham dez anos, apenas brincando, que é o que meninas de dez anos fazem. Mas isso fica para uma próxima oportunidade, porque desde o fim-de-semana só consigo pensar no horror supremo do caso da menina de dez anos estuprada, engravidada e perseguida pela horda de cristandade que, em suas várias versões, submete corações, mentes, fé e política no Brasil desde

Divagações sobre a cidade e a condição de cidadão

Uma certeza que carreguei até aqui era ser uma citadina. Mesmo minhas incursões campesinas, praianas ou florestais como turista ou a trabalho pareciam reforçar a convicção. Estar em São Paulo era estar em casa. Aliás, a metrópole funcionava como extensão da minha casa. Sempre gostei e interagi com sua efervescência, com a possibilidade de encontros, a diversidade cultural e de lazer, a facilidade de acesso a produtos imaginados a qualquer momento. Minha máxima era: se a pessoa não aproveita o que a cidade tem de bom, porque passar pelos perrengues – trânsito, poluição, transporte e calçadas precários, falta de segurança... São Paulo da janela do Masp. A consciência de que estar ou não na cidade e do que fazer nela são privilégios e não escolhas estava presente, mas com condicionantes, até que a pandemia se instalou e tive um duplo impacto. Por um lado, acabou minha liberdade de decidir o que fazer com meu tempo, por outro, tive a opção de sair sem grandes esforços e com muita

Confusão mental

Mais de cinco meses depois que abandonei abruptamente minha até então vida para me refugiar na chácara, onde nunca pensei em morar, já não sei o que devo fazer. Ficar de quarentena ficou fora de moda de repente, quase ao mesmo tempo em que o país se aproxima de 100 mil mortos pela doença e que os índices de contaminados sobem vertiginosamente. Deve haver alguma coisa no isolamento que embotou minha capacidade de entendimento e os remédios da vez (cloroquina, invermectina e agora ozônio via retal) não são para esse mal. Estou meio perdida, algo me escapou sem que percebesse. Esperando o tempo passar. Não que eu acredite que tenha que seguir a boiada (será que posso falar isso?), mas a sensação de ficar para trás não é boa. Será que sou preguiçosa e não quero procurar novos desafios? Será que não ter um chefe me obrigando a voltar para o escritório é sintoma de fracasso? Será que meus amigos não são bons porque não me convidam para festas, ou sou egoísta por não os estar convid

Dia da Marmota

Mais uma manhã clara e fria. Silenciosa. Ajeito as cobertas e me pergunto porque coloquei o despertador. A sensação é de estar em mais um Dia da Marmota do filme  Feitiço do Tempo . Sei que será tudo igual, nada de novo à vista. Desde que cheguei tento manter uma rotina, como indicam os manuais que inundam as redes sociais, mas às vezes – muitas vezes – o corpo quer e a mente não, e vice-versa. Fazer exercício, preparar as refeições, fingir que trabalho, eis o plano. Na minha lista ainda estão cuidar das plantas, estudar inglês, tocar piano, escrever e falar com amigos. Quase rio, por saber que não farei quase nada disso. Levanto relutante e passo alguns minutos sem conseguir decidir se tomo banho ou faço uma caminhada. Pego o celular para dar uma olhadinha e lá se vão 40 minutos de nada no Facebook, Twitter, Instagram e Paciência – muita paciência. Vou tomar café de pijama mesmo. Jardim dividido com as formigas. Decido por caminhar pelo menos meia hora em volta do campo de fute

Educação contra o fanatismo

Pela primeira vez, nos quase 12 anos do Círculo Feminino de Leitura (CFL), pulamos um encontro mesal. Mas, finalmente, conseguimos nos reunir remotamente. Demorei um pouco, mas gostaria de fazer algumas considerações sobre nosso livro tema - “A menina da Montanha” -, que traz a autobiografia da estadunidense Tara Westover. Criada em uma família mórmon fanática, Tara só pisou em uma sala de aula aos 17 anos, já no ensino superior, depois de uma batalha com os pais e com a própria falta de instrução. O livro a acompanha até o doutorado em Cambridge e à sua libertação do jugo familiar. A primeira observação interessante sobre o livro é a tradução do nome original para o português: “ Educated ” passa a ser “A menina da montanha”, o que remete falsamente a um romance adolescente. É como se o brasileiro fosse idiotizado já de saída. Para os editores, não compraria um livro que se chamasse Educada ou Escolarizada, que é a grande mensagem da história (será que é isso mesmo?). Só o acess

A cara do Brasil

Me pergunto em qual contexto pode ser razoável dizer que CNPJs estão na UTI e vão morrer e por isso as medidas de isolamento social adotadas por estados e municípios devem ser rapidamente relaxadas, em meio a uma pandemia que já matou oficialmente 10 mil brasileiros (ou seriam CPFs?), com os números diários de vítimas subindo a cada dia. Também tento entender sob qual ponto de vista minha liberdade (de fazer o que bem entender) está acima da vida (de qualquer pessoa). Além destas, fomos brindados, nesta semana nefasta, com pérolas como a afirmação de que a pandemia já está controlada nas classes média e alta, portanto, podemos respirar aliviados, de preferência bem perto uns dos outros trabalhando e comprando para movimentar o “mercado”. Ou a, não menos significativa, iniciativa de incluir empregadas domésticas como serviço essencial. Talvez, para parcela da população, que possivelmente nunca se deu ao trabalho de sequer registrar essas profissionais, pagá-las sem que prestem

Cada epidemia tem seu gráfico

O nome poderia ser índice de solidariedade humana, de empatia ou simplesmente de humanidade mesmo. Como o que mais fazemos atualmente é ver gráficos e curvas, acho que este também seria procedente e ajudaria a entender uma epidemia nada silenciosa que vem ameaçando o país de maneira tão avassaladora quando o coronavírus. Começa com uma linha de base zero, formada por bolsominions que fazem manifestações durante o isolamento social – Bolsonaro & filhos e seguidores que batem em mulher, enfermeiras e jornalistas não entram porque estão abaixo da linha e não dá para começar o gráfico no negativo. A partir daí a curva vai subindo até atingir o pico, que seria nível, por exemplo, padre Júlio Lancellotti. Há vários outros exemplos, mas acredito que esse seja suficiente para estabelecer o padrão. Ao contrário da curva de contágio e mortes do covid-19, o ideal para acabar com esse tipo de vírus da desumanidade seria que a curva crescesse rapidamente e, ao atingir o pico – ou até u