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A air fryer e a ilusão capitalista

Fui apresentada à air fryer durante a pandemia. Não pessoalmente, pois me encontrava em isolamento em uma chácara, digamos, isolada, mas através das reuniões de Zoom. Era só termos uma pausa hidráulica ou nos aproximarmos da hora do almoço e alguém soltava: “chegou minha air fryer!” Dali pra frente, mesmo que estivéssemos discutindo o destino da Amazônia ou do Cerrado, de florestas, a índios, a gado, a rios, enfim, qualquer coisa mundana trivial, tudo era esquecido. As maravilhas que eram possíveis de fazer rapidamente, sem óleo, sem trabalho, apenas jogando o que quer que fosse naquela que entendi ser uma panela elétrica, tornavam-se o centro das atenções. Os rostos apáticos nas telas ganhavam vivacidade e a troca de dicas e receitas e declarações de amor ao mais importante utensílio doméstico criado desde a invenção do fogão à lenha tomavam toda a atenção. Frango à passarinho ou batata frita, legumes e arroz em minutos, forrar com papel alumínio para facilitar a limpeza, pão de que
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Ativismo como uma postura de vida

  Voltamos à entrevista com Dorinha, a arquiteta pernambucana Maria das Dores Melo. Durante aproximadamente 20 anos, ela esteve à frente de organizações não-governamentais que ajudaram a colocar no mapa – literalmente – a Mata Atlântica do Nordeste e evitar que seus remanescentes interioranos desaparecessem de vez. Tanto na Sociedade Nordestina de Ecologia (SNE) como a Associação para a Mata Atlântica do Nordeste (Amane), organização criada por uma aliança de oito importantes ONGs brasileiras que atuam no bioma, ela se dedicou apaixonadamente para conseguir recursos e implementar projetos na região, até comprometer sua saúde. Para Dorinha, ativismo pode ser uma postura de viver, de se expressar, “essencial mesmo que não seja tão confortável”. Veja a entrevista completa no Conexão Planeta: https://conexaoplaneta.com.br/blog/dorinha-melo-ativismo-e-uma-postura-de-vida-essencial-mesmo-que-nao-seja-confortavel/ Foto: Arquivo pessoal.

Um encontro com a cara real do Brasil

Ando me permitindo alguns luxos. Um deles foi ter aceitado um convite para acompanhar meu marido em um evento em Gramado, no Rio Grande do Sul, na semana passada. Viagem de esposa, só pra passear mesmo. Daquelas em que se sabe muito remotamente do que se trata e que, no máximo, precisa aparecer em algum jantar. Achei que, depois de tanto tempo juntos, merecia um programa de dondoca. No primeiro dia, não me fiz de rogada. Me esbaldei de caminhar pela charmosa cidade, que não visitava há uns 20 anos, fui a alguns parques ver as paisagens da Mata Atlântica serrana, com suas araucárias, cânions e cachoeiras deslumbrantes, e percorri as principais ruas do centro com suas milhares de lojas de chocolate e roupas de frio que acho lindas, mas não teria onde usar: nem lá, já que temos nos esforçado muito para aumentar a temperatura do planeta e, enquanto estive na Serra Gaúcha, só senti mesmo um leve friozinho. Ao reencontrar meu marido no final da tarde, porém, a consciência pesou um pouco

Educação financeira e o coração mole

O menino tinha uns sete anos. Um dia chegou esbaforido da escola, bochechas vermelhas de excitação, e anunciou: - Preciso comprar as cartas de Yu - Gi - Oh !. Todo mundo tem! A mãe não fazia ideia do que se tratava, mas, solícita, perguntou onde comprava. - Em qualquer banca de jornal. Imaginou que fosse um gibi ou um álbum de figurinhas e prometeu passar para dar uma olhada. Ao chegar ao jornaleiro, porém, levou um susto. Tratava-se de algo como um jogo de baralho, com o qual os meninos travavam batalhas. O problema é que era importado e custava uma pequena fortuna para a época. Já poderia ser considerado um presente, e presentes, no combinado familiar, eram reservados para ocasiões especiais. Comunicou ao filho. Inconformado, depois de apelar para o pai, para a existência de cheque e cartão de crédito, “afinal, com eles, nem é preciso ter dinheiro”, o menino trouxe a solução: o preço do Yu-Gi-Oh! era seis vezes sua mesada. A mãe poderia emprestar o dinheiro e ele ficaria s

Neivia Justa: criadora da #ondeestãoasmulheres continua usar redes pela inclusão

  Executiva de sucesso na área de comunicação corporativa, a jornalista cearense Neivia Justa conta que foram precisos mais de 20 anos de trajetória profissional – que iniciou como apresentadora de TV em Fortaleza até a diretoria de grandes multinacionais em São Paulo -, para se dar conta de que a falta de equidade de gênero no mundo corporativo era um problema. Mas, no momento em que foi tocada pelo tema, não ficou de braços cruzados. Criou a hashtag #ondeestãoasmulheres, que logo se transformou num movimento nas redes sociais. Mas foi no Linkedin que estourou. “Se somos quase 52% da população brasileira, responsáveis por 80% das decisões de consumo no Brasil, e ocupamos 60% das vagas nas universidades, por que não somos devidamente representadas?”, questiona. No Linkedin, hoje ela já tem mais de 80 mil seguidores e incorporou outros temas, como sustentabilidade e inclusão. Trocou a vida de executiva pela de empreendedora, criando a consultoria Justa Causa, com a qual desenvolve p

Existe vida profissional após a maternidade: só tem mais emoção

  Lembrei-me desta história conversando com uma amiga grávida preocupada com seu futuro profissional. Minha narrativa não chega a ser um alento, mas posso atestar que, apesar de aventuras como esta, é possível ser mãe e profissional! Quando me tornei mãe de gêmeas, já com um filho de três anos, achei que minha vida profissional e toda mais havia se encerrado. Mas eis que, passados três meses, voltei ao trabalho e o mundo continuou a rodar, mesmo que em sistema de adaptação. Assim que as bebês completaram dez meses, me senti pronta para a primeira viagem profissional pós-revolução. A missão era uma expedição ao Vale do Ribeira para identificar necessidades das populações ribeirinhas e quilombolas que ajudassem a direcionar a ação do Instituto Socioambiental (onde eu trabalhava) naquela região. Na equipe, uma antropóloga, um advogado e eu, a jornalista que reportaria as andanças. Em Iguape, onde estava nossa base, um biólogo se juntaria ao time. Deixei meu apartamento em um clima d

Neidinha Suruí: uma onça na defesa dos índios e seus territórios

 Quem ainda não conhece Neidinha Suruí, pode ler seu perfil no Mulheres Ativistas ou assistir ao filme O Território, no Disney+, que recomendo muito. A luta desta indigenista, mãe da também ativista Txai Suruí, é uma ótima chave para entender a importância de que o Marco Temporal NÃO seja aprovado. Desde 1992, a Neidinha lidera a Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, organização não-governamental de Rondônia que atua com mais de 50 etnias indígenas. Foi a primeira mulher a trabalhar na Funai com índios isolados e, por isso, se acostumou a enfrentar madeireiros ilegais, mineradores e outros invasores de terras indígenas e unidades de conservação. Mãe de cinco filhos, Neidinha passou a infância em plena floresta amazônica. Em Porto Velho, onde vive, cursou História e fez mestrado em Geografia. Com esse cacife, essa mulher miúda é uma gigante na defesa ambiental e dos direitos dos povos desde os locais mais embrenhados na mata até em eventos internacionais mundo afora. É uma onç