O Brasil arde em chamas e boa parte da população ainda cai no conto do vigário de que fogo não é fogo, fogo aparece sozinho, floresta é mato e existe mesmo para queimar (e depois plantar commodity, criar gado ou minerar). Pantanal, Amazônia, Cerrado e até o pouco que resta da Mata Atlântica estão indo para o espaço, em forma de fumaça, e brasileiro médio preocupado com os incêndios das mansões da Califórnia. Enquanto nossos biomas agonizam e as populações que deles dependem vivem em situação de guerra, incentivada pelo governo federal, mas não só, a ladainha de que há muita área conservada, muita terra pra pouco índio (e pouca pra latifundiário) e nosso agro é pop continua a ser recitada em verso e prosa.
Mas são informações que, como tantas outras nesses tempos sinistros, não correspondem aos fatos. O Brasil é o quinto maior país em território do mundo, com seus 8.516.000 km2. Desse total, 18% são cobertos por unidades de conservação (UC), que somam aproximadamente 1,6 milhão de km2. No entanto, apenas 6% da área em UC estão em unidades de proteção integral, ou seja, aquelas que permitem apenas o uso indireto dos recursos naturais e atividades como educação, pesquisa científica e turismo.
Os demais 12% são unidades de uso sustentável, nas quais são permitidas atividades econômicas, sendo 5,4% em Áreas de Proteção Ambiental (APA), categoria com pouquíssimas restrições de uso da terra, contendo inclusive cidades efazendas em seu interior. O restante são áreas nas quais são permitidas a produção madeireira sustentável e o extrativismo de produtos como castanha, açaí e borracha.
A porcentagem de cada bioma em unidades de conservação também não é homogênea: Amazônia, 28%; Caatinga, 8,8%; Cerrado, 8,3%; Mata Atlântica, 9,5%, Pampa, 3%; Pantanal, 4,6% (alguém adivinha se essa porcentagem baixa ajuda que o fogo esteja tomando este bioma a ponto de até os pecuaristas estarem desesperados?). Além disso, o país conta com 963 mil km2 de unidades de conservação no mar, totalizando 26,4% de sua área marinha; 22,9% em Áreas de Proteção Ambiental. Em números, são mais de 2.300 unidades de conservação no Brasil. Parece muito, mas não é. E não estou nem levando em consideração como essas áreas (não) são geridas.
Se observarmos as áreas protegidas como um todo e somarmos às unidades de conservação as terras indígenas, que ocupam 1.179.560 km2 (14% do território brasileiro), o Brasil protege 2.572.575 ou 30,2% do país. Caso sejam excluídas as APA, muito pouco restritivas (ou unidade de conservação para boi dormir, às vezes literalmente), são 25% do território em UC e TI. Para quem ainda não entendeu: terras indígenas são áreas federais do povo brasileiro, com usufruto dos índios, que, se deixados em paz, costumam cuidar muito bem delas.
Em relação à área do país, as áreas protegidas estão ainda muito mal distribuídas pelos biomas: 90% ficam na Amazônia, que concentra apenas 10% da produção agropecuária. Fora da Amazônia, onde ocorre 90% da produção agropecuária brasileira, apenas 5% do território está sob áreas protegidas. O ideal seria ter, no mínimo, 20% de cada bioma em unidade de conservação.
O mais importante, porém, para os recalcitrantes não ficarem de mimimi, é que a proporção de áreas protegidas no Brasil não destoa da média mundial, que é de 29%. A Europa, aquele continente o qual nossos governantes gostam de dizer que destruiu tudo o que tinha e agora quer que o Brasil morra à míngua e no meio do mato, tem porcentagens significativas de território em áreas protegidas: França: 26%, Reino Unido: 29%, Alemanha: 38%. O Japão tem 29%, enquanto nossos hermanos amazônicos Peru, Colômbia e Bolívia têm mais de 40%.
Esses dados fazem parte de um pacote informativo lançado pelo WWF-Brasil neste ano, que ajudei a produzir, o qual explica, de forma didática e ilustrativa, a importância das unidades de conservação e os principais riscos que enfrentam. São cinco volumes, voltados prioritariamente para professores. Esses dados fazem parte do volume Quanto o Brasil tem em unidades de conservação?.
(Foto: Confluência dos rios Juruena e Teles Pires, Pará. @WWF-Brazil/Zig Kock)
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