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Todos deveríamos querer uma área protegida por perto

Na minha ilusão de amante da natureza e estudiosa da sua importância, áreas protegidas não apenas são imprescindíveis como também deveriam ser adoradas pela população, que faria de tudo para mantê-las da melhor forma possível e lutaria para que muitas delas fossem criadas em todo lugar. Ao contrário, o que vemos é um esforço deliberado para destruir avidamente o que temos – vide as invasões garimpeiras e grileiras nas terras indígenas e os desmatamentos e incêndios que não poupam unidades de conservação em todo o território nacional. Imagens do Pantanal, da Amazônia e do Cerrado em chamas - mas não só, como vimos até na Serra do Japi, em São Paulo, pertinho de onde estou (daqui a pouco voltamos a ela...) - são mais uma coisa a me assombrar nesta pandemia político-sanitária que nos assola.

Praticamente todas as áreas protegidas que temos foram criadas a duras penas, a partir do esforço coletivo de pessoas e organizações que tiveram que enfrentar batalhas, algumas sangrentas, para garantir sua existência. Fazer com que sejam bem geridas (ou simplesmente geridas), porém, demandaria uma mobilização engajada da população que, até aqui, continua a não ver importância nesses territórios.

Há um mito, espalhado pelos detratores dessas áreas, infelizmente hoje majoritários dentro do governo, de que temos áreas protegidas demais. Não é verdade. Estamos dentro da média mundial e essas áreas são muito mal distribuídas. Por exemplo, no município de Jarinu, onde atualmente me refugio, há apenas uma unidade de conservação (UC), que é a Área de Proteção Ambiental (APA) Jundiaí. O fato de ter o nome de outra cidade já é um indicador de que unidade de conservação não deve ser prioridade por aqui.

Além disso, APA é o tipo de UC mais xexelento do nosso Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC). Sem querer dizer que não tem utilidade (tem sim), é uma categoria de uso sustentável onde quase tudo é permitido. Basta dizer que a APA Jundiaí pega TODO o município de Jundiaí e parte de vários outros. Essa unidade foi criada para proteger justamente a Serra do Japi, maior patrimônio ambiental da região e importante remanescente de Mata Atlântica. Que queima a cada inverno por falta de conscientização e um sistema de conservação insuficiente.

Mas o que a falta de uma unidade de conservação integral, como um parque, faz a um município como Jarinu? Oras, sem entrar no mérito da informação, a cidade propaga ter o segundo melhor clima do mundo atestado pela Unesco, seja lá o que for ter o melhor clima do mundo. Como uma pessoa que frequenta a região há quase 30 anos, realmente é muito agradável, com dias quentes e noites frias, sem extremos de nenhum dos lados.

O potencial turístico desse apelo, junto com uma topografia também bonita, a presença de muitas chácaras e proximidade com São Paulo, parece irresistível, mas não há praticamente nada para se fazer em Jarinu. A simples atividade de fazer uma caminhada só pode acontecer nas ruas, onde é urbanizado, ou em estradinhas sem nenhuma calçada ou qualquer coisa que indique segurança (aqui onde estou, quando criamos coragem de sair, levamos paus para o caso de encontramos cachorros bravos no caminho, o que é frequente). Se quiser fazer piquenique, trilha, andar de bicicleta (sem correr riscos), ou apenas curtir a natureza, não dá para ser por aqui. Ou está tão escondido que ainda não achei.

Será que é tão difícil entender o potencial econômico, para saúde ou qualidade de vida de moradores e visitantes em contar com áreas protegidas? Tenho participado de vários trabalhos nos últimos tempos sobre unidades de conservação, principalmente para o WWF-Brasil, tanto sobre sua importância, quanto ameaças que vêm sofrendo, algumas, inclusive, de serem extintas. Para quem se interessa, tentarei mostrar um pouco dessas informações nos próximos textos. 

(Foto: paisagem dos fundos da minha casa em Jarinu)

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