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Unidades de conservação geram recursos econômicos para o país

Há um mito, provocado pela ignorância, de que unidades de conservação (UC) não possuem valor econômico. A base dessa crença é o desserviço bancado pelos interessados na ocupação das terras que deveriam estar ou estão sob proteção – grileiros, madeireiros, garimpeiros, agropecuaristas – e os políticos que os representam (em número exponencialmente maior do que a representatividade que esses setores têm na população). Outra dificuldade, que começa a ser vencida, é explicitar esse valor em números.


O valor econômico de uma unidade de conservação é calculado a partir da variação do bem-estar das pessoas devido a mudanças na quantidade ou qualidade de bens e serviços ambientais que ela propicia. Valorar seus recursos ambientais é a melhor forma de calcular monetariamente as perdas ou ganhos da sociedade diante da variação da quantidade e tamanho dessas áreas protegidas. Mas não só. As UC geram recursos também a partir da geração direta de renda, seja por meio dos
serviços turísticos, seja pela produção de riquezas nas unidades de conservação de uso sustentável.

O estudo Quanto Vale o Verde – a importância econômica das unidades de conservação brasileiras mensurou o valor econômico das unidades de conservação para vários setores, mostrando o quanto o país pode ganhar a partir de suas UC. Alguns desses dados estão no pacote informativo lançado pelo WWF-Brasil neste ano, o qual ajudei a produzir e tenho mostrado nesteblog. O material explica, de forma didática e ilustrativa, a importância das unidades de conservação e os principais riscos que enfrentam. São cinco volumes, voltados prioritariamente para professores. Esses dados fazem parte do volume Quantovalem economicamente para o país?.

O mais óbvio desse valor é o gerado pela água que é produzida sob influência de unidades de conservação. A estimativa é que as UC gerem R$ 59,8 bilhões anuais, distribuídos em termos de proteção de rios para geração hidrelétrica (R$ 23,6 bilhões anuais), usos consuntivos (R$ 28,4 bilhões anuais) - aqueles que retiram água do manancial para sua destinação, como a irrigação, a utilização na indústria e o abastecimento humano - e erosão evitada (R$ 7,8 bilhões anuais). Cerca de 44% da capacidade da produção de hidroeletricidade em operação no Brasil está sob influência de unidades de conservação.

Aproximadamente 24% da captação de água (o equivalente a 4,03 bilhões de m3 de água por ano para consumo nas cidades e propriedades) é influenciada por unidades de conservação, que ajudam a manter a qualidade e a quantidade da água necessárias. No caso da água, deve-se ainda considerar que o efeito é mais importante por causa da mudança do clima, que deve agravar problemas de chuvas intensas e de secas prolongadas. O que temos presenciado neste ano é um bom aperitivo sobre o que vem pela frente.

A visitação em áreas protegidas continua tendo grande destaque como elemento de dinamização econômica. Cerca de 17 milhões de visitantes foram registrados em 2016, com impacto sobre a economia estimado entre R$ 2,5 bilhões a R$ 6,1 bilhões anuais, correspondendo a uma geração entre 77 mil e 133 mil ocupações de trabalho. Esses valores, porém, podem estar subdimensionados porque nem todas as unidades de conservação fazem esse tipo de registro.

O que salta aos olhos, no entanto, é que as UC podem receber uma quantidade bastante superior de visitantes caso sejam realizados investimentos para tanto: um incremente de 20% na visitação (mais 3,4 milhões de visitantes anuais) resultaria em um impacto econômico entre R$ 500 milhões e R$ 1,2 bilhão, com a criação de 15 mil a 42 mil novos postos de trabalho.

Boa parte de nossas unidades de conservação são de uso sustentável, com populações tradicionais que nelas vivem ou com possibilidade de exploração econômica. O potencial de aproveitamento de bens que podem ser extraídos de forma sustentável das unidades de conservação que admitem atividades econômicas é muito grande.

A madeira em tora é o produto de maior destaque no extrativismo do país, e o sistema de concessões florestais implementado pelo Serviço Florestal Brasileiro pode expandir a produção sustentável de madeira das florestas nacionais. A persistência do desmatamento, porém, tem reduzido as possibilidades de aproveitamento dos recursos madeireiros, cuja extração teve redução de 36% entre 2006 e 2016.

A extração sustentável de produtos não-madeireiros – como castanhas, frutas, óleos, mel etc. – também é uma oportunidade e está melhor estruturada no país. A produção de açaí aumentou 112% entre 2006 e 2016. No mesmo período, a produção de castanha-do-pará cresceu 20,4%. Melhoramentos nas cadeias produtivas podem aumentar as possibilidades desses setores.

O valor potencial em todas as unidades de conservação passíveis de atividade pesqueira é de R$ 86,5 milhões para o peixe, R$ 55,2 milhões para o camarão e de R$ 24,8 milhões para o caranguejo, totalizando R$ 167,5 milhões em pescado. Em 2016, nas unidades de conservação onde as famílias foram atendidas pelo Programa Bolsa Verde, a contribuição econômica do pescado foi de R$ 10 milhões para o peixe, R$ 7,5 milhões para o camarão e de R$ 11,7 milhões para o caranguejo, totalizando em R$ 29,2 milhões.

Assunto ainda difícil de explicar, mas cujo potencial tende a aumentar à medida que avança o aquecimento global, o valor monetário do estoque de carbono conservado nas unidades de conservação brasileiras foi estimado em R$ 130,3 bilhões, correspondendo a fluxos anuais de benefícios por conservação entre R$ 3,9 a R$ 7,8 bilhões, mesmo usando valores conservadores para monetizar a tonelada de CO2 equivalente (US$ 3,8 ou R$ 12,4 por tCO2 e).

Por fim, a presença de unidades de conservação responde por 44% do valor total do ICMS ecológico dos municípios de treze estados brasileiros. Esse valor foi estimado em R$ 776 milhões para o ano de 2015. Em ano de eleições municipais, vale a pena se informar se seu estado conta com o ICMS ecológico e se e quanto de unidades de conservação há na sua cidade.

(Foto: Parque Nacional do Iguaçu, Paraná, Brasil.WWF-Brasil/Chris Rizzi)

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