Pular para o conteúdo principal

Verde traz saúde e bem-estar às pessoas

 

Todo mundo deveria ter uma área verde pública perto de casa, ou seja, na qual pudesse ir a pé. Na Zona Oeste de São Paulo, onde moro, isso é relativamente comum, mas não é padrão na cidade nem na maior parte do país. Visitei cidades na Amazônia onde os moradores não devem saber o que é isso (e não estou sendo irônica). Em Jarinu, onde tenho ficado a maior parte do tempo desde o início da pandemia, esse luxo também não existe.


Em escala nacional – ou até planetária -, as grandes unidades de conservação, que protegem biomas, ecossistemas e espécies, são as mais importantes e há tratados e compromissos internacionais que indicam as necessidades mínimas para países e para a biodiversidade. Mas pouco se tem de concreto sobre a quantidade e como devem ser as áreas protegidas urbanas. Cada município deve trazer isso em seus planos diretores, mas a impressão é que praticamente nenhum leva isso realmente a sério.

Quanto de áreas verdes deveria ter uma área urbana em relação a seu território e a sua quantidade de habitantes? Qual a distância aceitável entre cada uma delas para atender igualmente aos moradores da cidade? Como criar corredores entre elas para garantir um intercâmbio, no mínimo, de pássaros e para que áreas protegidas urbanas também sejam guardiãs de biodiversidade? Qual o tamanho mínimo de um parque, ou até de uma praça, para cumprir sua função e com quanto e que tipo de vegetação e outros equipamentos deve contar?

Todas essas perguntas deveriam ser cruciais e, perto de eleições municipais que se aproximam, debatidas e encaminhadas. Mas costumam ser negligenciadas no país, sempre em nome de não serem prioridades diante da quantidade de demandas ditas mais urgentes, como saúde, educação, segurança etc. Mas será que realmente é uma discussão à parte?

As áreas protegidas podem contribuir para a saúde e o bem-estar humanos de várias maneiras, muitas das quais estão apenas começando a ser entendidas, como mostra o volume Qual seu valor para nossa saúde e bem-estar?do pacote informativo lançado pelo WWF-Brasil neste ano, o qual ajudei a produzir e tenho mostrado no blog paulistanasp. O material explica a importância das unidades de conservação e os principais riscos que enfrentam.

De um modo geral, sua importância pode ser vista de três maneiras: proporcionam serviços ambientais que sustentam a vida, como proteção e provisão de água, regulação do clima (inclusive o microclima) e controle de doenças infecciosas; são fonte de biodiversidade para a produção de medicamentos tradicionais e para a descoberta de novos remédios; e possibilitam benefícios diretos para a saúde física, espiritual e mental, por conta da experiência e dos momentos passados em contato com a natureza. 

A Organização Mundial da Saúde (OMS) sugere que até um quarto das mortes prematuras mundiais poderiam ser evitadas simplesmente com a boa gestão das questões ambientais, como a redução da poluição do ar, da contaminação da água e do solo. Pesquisas também relacionam o desmatamento e a fragmentação de florestas com o surgimento de doenças como ebola e aids, além da disseminação de doenças como a malária e a dengue. Agora podemos incluir a Covid-19 nessa lista.

Para mostrar essa relação, uma pesquisa constatou que comunidades que vivem perto de Ruteng Park, em Flores, na Indonésia, apresentavam menos casos de malária e disenteria, crianças faltavam menos à escola por problemas de saúde e há menos fome associada à quebra de safra, do que nas comunidades vizinhas sem florestas intactas.

A presença de unidades de conservação também ajuda a evitar a erosão do solo, a reduzir inundações e minimizar danos causados por outros eventos extremos do clima, como secas. Nas áreas urbanas, ajudam a reduzir a poluição, responsável por um grande número de mortes prematuras, e minimizar as ilhas de calor.

Protegem, ainda, mananciais de água, garantindo quantidade e qualidade de água para abastecimento. Com isso, diminuem também os riscos de doenças de veiculação hídrica, como diarreias. Um terço das cem maiores cidades do mundo tem a maior parte do fornecimento de água a partir de mananciais protegidos por florestas, caso das maiores áreas metropolitanas brasileiras (São Paulo, Rio de Janeiro, Recife e Belo Horizonte).

No momento em que começamos a retomar uma vida quase normal, porém, seria importante percebermos o quanto a proximidade com a natureza pode nos beneficiar diretamente. Áreas protegidas são, em boa parte dos casos, seguros, acessíveis e gratuitos para recreação, prática de exercícios e relaxamento.

Um relatório divulgado por pesquisadores australianos, a partir de um programa intitulado Parques Saudáveis, Pessoas Saudáveis no Parque Vitória, concluiu que há provas substanciais de que o acesso a áreas protegidas e a espaços verdes aumenta a saúde e o bem-estar das pessoas. Mostrou, ainda, que atividade física nesses espaços evita o gasto de 200 milhões de dólares australianos com saúde por ano. Pesquisa da Universidade de Chiba, no Japão, concluiu que pessoas que tiveram contato com a natureza mostraram uma diminuição de 16% no cortisol (hormônio do estresse), 4% na frequência cardíaca e 2% na pressão arterial. Por que, então, nossas cidades costumam preferir farmácias a parques?

(Foto: Expedição Aracã, Amazonas, Brasil. WWF-Brasil/Zig Koch)

Comentários

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Existe vida profissional após a maternidade: só tem mais emoção

  Lembrei-me desta história conversando com uma amiga grávida preocupada com seu futuro profissional. Minha narrativa não chega a ser um alento, mas posso atestar que, apesar de aventuras como esta, é possível ser mãe e profissional! Quando me tornei mãe de gêmeas, já com um filho de três anos, achei que minha vida profissional e toda mais havia se encerrado. Mas eis que, passados três meses, voltei ao trabalho e o mundo continuou a rodar, mesmo que em sistema de adaptação. Assim que as bebês completaram dez meses, me senti pronta para a primeira viagem profissional pós-revolução. A missão era uma expedição ao Vale do Ribeira para identificar necessidades das populações ribeirinhas e quilombolas que ajudassem a direcionar a ação do Instituto Socioambiental (onde eu trabalhava) naquela região. Na equipe, uma antropóloga, um advogado e eu, a jornalista que reportaria as andanças. Em Iguape, onde estava nossa base, um biólogo se juntaria ao time. Deixei meu apartamento em um clima d

A air fryer e a ilusão capitalista

Fui apresentada à air fryer durante a pandemia. Não pessoalmente, pois me encontrava em isolamento em uma chácara, digamos, isolada, mas através das reuniões de Zoom. Era só termos uma pausa hidráulica ou nos aproximarmos da hora do almoço e alguém soltava: “chegou minha air fryer!” Dali pra frente, mesmo que estivéssemos discutindo o destino da Amazônia ou do Cerrado, de florestas, a índios, a gado, a rios, enfim, qualquer coisa mundana trivial, tudo era esquecido. As maravilhas que eram possíveis de fazer rapidamente, sem óleo, sem trabalho, apenas jogando o que quer que fosse naquela que entendi ser uma panela elétrica, tornavam-se o centro das atenções. Os rostos apáticos nas telas ganhavam vivacidade e a troca de dicas e receitas e declarações de amor ao mais importante utensílio doméstico criado desde a invenção do fogão à lenha tomavam toda a atenção. Frango à passarinho ou batata frita, legumes e arroz em minutos, forrar com papel alumínio para facilitar a limpeza, pão de que

Com os incas, aprendi que distopias acontecem

Sempre quis conhecer Machu Picchu pela incrível beleza da cidadela, mas pouco sabia do império inca, além do fato de ter se estendido por grande parte da costa oeste do continente sul-americano e ter desaparecido com a chegada dos espanhóis. Descobrir que o Peru é um país inca – ou pelo menos o estado de Cusco com certeza o é -, foi uma surpresa. Encontrei uma população preocupada em recuperar todos os aspectos de sua cultura usurpada há 500 anos pelos conquistadores europeus e rever cada pedacinho de sua história. Machu Picchu, a joia que os espanhóis não acharam. O que ouvi de guias, motoristas, vendedores, artesão, garçons e todas as pessoas com que tive contato é uma versão ainda impensável no Brasil, país onde seus habitantes originais foram praticamente exterminados e os poucos que resistiram ainda precisam lutar por seu reconhecimento e, no momento, por garantia de vida. Lá, a população majoritariamente de descendência índia tem mais facilidade em se identificar com aque