Assisti a The Social Dilemma, na Netflix, e não fiquei confortável. A primeira impressão é que a polarização criada pelas redes sociais é apenas reflexo da burrice ou má intensão de parte (significativa) da população – o que já se intuía. O documentário mostra que as empresas do Vale do Silício se aproveitam dessas fraquezas para ficar trilhardárias e estão se lixando se isso leva o mundo para o buraco. Se há quem queira crer que a terra é plana, mudança climática e covid não existem e Bolsonaro é um bom presidente, porém, como não haver divisão? Acreditar que com regulações para a internet o problema será contornado, como os entrevistados dizem no filme, é de uma ingenuidade que condiz com a mágica que atribuem à inteligência artificial.
A narrativa é feita para tocar o terror e não nos deixar dormir. Associam a internet às drogas – “são os dois segmentos que chamam seus clientes de ‘usuários’” - e seguem o mesmo padrão de apavorar pais: adolescentes abobados e sem vontade própria caindo nas mãos de “traficantes” de fake news. Produzido por estadunidentes para estadunidentes, citam um montão de problemas no terceiro mundo (Bolsonaro é, merecidamente, o caso apresentado de manipulação de uma eleição), mas não mexem em suas próprias feridas. Trump não é citado e os políticos que aparecem não são identificados por partido.
O dilema, no entanto, está lá. É viável usar as redes
sociais sem ser manipulado por elas? É possível vencer a falta de vontade de
pensar do ser humano médio, que foi potencializada à estratosfera com os
algoritmos da internet?
Sou uma profissional de comunicação que lido com a
manipulação desse setor desde os primórdios, quando ainda era uma questão
apenas relacionada a anúncios. Uma vez, no Portal de Meio Ambiente da Agência
Estado, no início dos anos 2000, tivemos uma briga com o departamento comercial
porque uma entidade ligada a empresas (não lembro qual), travestida de
instituto de pesquisa, comprou um espaço em nossa página e fez um anúncio
seguindo à risca nosso padrão editorial. Recebemos vários comentários de fontes
confiáveis que não perceberam que era anúncio nos questionando sobre a
“matéria”. Hoje, essas fontes nem veriam esse material, que seria destinado
apenas para os desinformados que acreditariam nele. Na ocasião, ficamos
arrasadas porque já havíamos sido humilhadas pelo departamento comercial que
nos respondeu que “pagava nosso salário” e que não reclamássemos.
A primeira vez que publiquei uma matéria online, naquela
mesma época, e recebi uma mensagem furiosa, cheia de insultos, menos de dois
minutos depois, entrei em choque. No mundo offline em que vivia até então, o
sujeito indignado precisava escrever uma carta, que por amor próprio revisava,
tinha que comprar envelope e selo e ir até a caixa do correio para enviar.
Tempo suficiente para refletir sobre o que pensava e como expressaria sua
opinião. Hoje, as reações não passam pelo cérebro e são comandadas diretamente
pelo fígado.
Para me preservar, tenho como princípio não olhar nenhum
anúncio nas redes sociais. Mas muitos não aparecerem como tal. Também limpei
minhas redes de negacionistas, racistas, misóginos, fascistas e tudo o que me
corrói o estômago. Tenho convicção que a militância que faço online não serve
para nada porque só chega a quem pensa como eu. Costumo me consolar dizendo que
envio para o “universo”, mas sei que ele pouco se importa. A opção seria sair
de todas elas, me alienar e isolar de vez?
Escuto as mensagens que pedem o fim da polarização e mais
diálogo. Acredito que é nossa única alternativa. Até porque temos questões
urgentes a resolver que não há como serem adiadas. Um bioma queimado e
desaparecido não tem como ressuscitar espécies e ecossistemas perdidos para
sempre. Povos, culturas e línguas de populações tradicionais idem. Mudanças
climáticas que se aceleram vão continuar e nos destruir, mesmo que o presidente
e seus seguidores continuem a rir delas. As vidas perdidas pela intolerância
racial, de gênero ou social não voltarão. Mas não sei nem como começar.
(Foto: Reprodução da Netflix)
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