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Mostrando postagens de abril, 2019

Sanear é preciso

Se tem uma coisa que nunca teve investimento massivo no país é o saneamento básico. Isso diz muito sobre a falta de consciência sobre direitos que afeta nossa população. O brasileiro aceita facilmente a ladainha política de que nossa defasagem é tão grande que não pode ser solucionada e acaba achando natural conviver com rios que são esgotos, mares cheios de resíduos, populações inteiras vivendo ao longo de córregos infectos e no meio do lixo. Com isso, fica fácil acreditar na ideia de grandeza baseada em destruição de florestas, mineração em qualquer lugar e de qualquer jeito, produção agrícola a base de todo tipo de agrotóxico em quantidades astronômicas. Já que estamos condenados a viver na porquice, que ela seja ilimitada. Legenda dispensável. A Lei Federal do Saneamento Básico (Lei n o 11.445/07) completou doze anos no início deste ano sem que a universalização desse serviço público esteja sequer próxima no Brasil. No final da segunda década do século 21, mais de 35 milhõ

Quero teletransporte

Se houvesse teletransporte, poderíamos chegar a alguns locais rapidamente, mas este não é o meu ponto. A questão aqui é poder chegar ao local desejado sem ter que ver o que não deveria existir e, existindo, incomoda muito. Complexo Cultura Julio Prestes, São Paulo. Por exemplo, se houvesse teletransporte, eu poderia ir assistir a um concerto na Sala São Paulo sem ter que presenciar a escuridão e a sujeira que permeiam aquela parte da cidade, onde seres desvalidos vagueiam saqueando o lixo, fumando craque, vivendo (ou tentando sobreviver) embaixo de marquises (os sortudos) ou encostados em muros, enquanto outros (um pouco menos desprivilegiados) correm de um lado para o outro em estado de superatenção, torcendo para chegar ao destino sãos e salvos. Caso isso fosse possível, talvez eu não percebesse, por contraste, que praticamente todos os que estão nessa situação que não deveria ser vista são negros, enquanto os do lado de dentro do teatro (tirando alguns gatos pingados) sã

O dote

O maior vexame da minha vida aconteceu durante uma audição de piano. Tocaria Escorregando, de Ernesto Nazareth, e Tico-tico no Fubá, de Zequinha de Abreu. Mas quando entrei no palco, me sentei e olhei para as teclas, foi como se fosse fazer um discurso e na hora em que visse o texto a ser lido ele estivesse em mandarim. Era como se fosse a primeira vez que visse um piano, não sabia por onde começar. Tomada de pânico, consegui levantar, agradecer e sair totalmente perdida. Tinha 17 anos e estudava piano há nove. No camarim, fui recebida com abraços da atônita professora e das colegas, mas só conseguia chorar e me sentir miserável. Atendendo aos apelos de todas elas, ao final das apresentações, voltei ao palco e disparei a pior interpretação de Tico-tico no Fubá da história. Lembro de ter sido aplaudida, o que não me confortou. Meus pais, com a sensibilidade que lhes era característica, disseram que os fiz passar vergonha, me deixaram em casa com minhas lágrimas e foram comer pizza.

Sobre mérito e vitimização

Assisti ontem ao TEDx da incrível cientista e professora Joana Felix no qual conta sua trajetória de menina negra e pobre de Franca, interior de São Paulo, até o pós-doutorado em Harvard e o trabalho fantástico que conduz na Escola Técnica Estadual (ETEC) Professor Carmelino Corrêa Júnior, na sua cidade natal. Impossível não se emocionar com as experiências que ela conta sobre os resultados das pesquisas que realiza com seus alunos (também pobres e ainda no segundo grau) sempre voltadas para resolver algum problema concreto. Apesar dos 82 prêmios que ganhou – incluindo o Kurt Politizer de Tecnologia de “Pesquisadora do Ano”, em 2914 – Felix ressalta que seus maiores prêmios são os agradecimentos de pais que viram seus filhos trocarem a prostituição e o tráfico pela ciência. Claramente superdotada, a cientista alfabetizou-se sozinha aos quatro anos e, esta foi sua grande sorte, a façanha foi descoberta pela diretora de escola na casa de quem sua mãe trabalhava como empregada domésti

Brasileiro é iludido sobre desigualdade no país

Seminário de apresentação da pesquisa no Tucarena. O brasileiro tem noção de que reduzir as desigualdades entre ricos e pobres é uma necessidade para o progresso do país. Segundo pesquisa da Oxfam Brasil, realizada pelo Datafolha em fevereiro deste ano e divulgada na última terça-feira (9/4), essa ideia é corroborada por 72% das pessoas, com 14% concordando parcialmente e outros 12% discordando total ou parcialmente. No geral, porém, é uma população iludida e, talvez, se tivesse um pouco mais de noção da realidade, pensaria mais no assunto e colaboraria mais (individual e coletivamente) para melhorar essa situação. Vejamos. A pesquisa mostra que a maior parte dos brasileiros (53%) acredita que a linha de pobreza está entre R$ 700 e R$ 1.000, ou seja, próxima ao salário mínimo (outros 15% acham que essa linha está ainda acima desse valor). Assim, quando ouvem que há 15 milhões de pobres no Brasil, acham que não é tanta gente assim. Só que não. Esses 15 milhões de pessoas (número

Mulheres esquecidas da literatura brasileira

Constância Lima Duarte, Isabella Martino (mediadora) e Luiz Ruffato no debate da Biblioteca Mário de Andrade. Você pode nunca ter ouvido falar, dificilmente aprendeu na escola, mas o Brasil contou com muitas escritoras, algumas de bastante sucesso em suas épocas, antes de Rachel de Queiroz e Cecília Meireles despontarem nos anos 1930. O resgate dessa história ocultada, como muitas outras neste país, é o objetivo da exposição Pioneiras – Autoras Mulheres no Acervo de Raridades da Biblioteca Mário de Andrade (até 26 de maio, das 8 às 20 horas, na própria biblioteca), que reúne 50 títulos escritos por autoras entre 1754 e 1933. “A exposição traz uma ótima amostra, mas foram centenas de escritoras que fizeram sucesso, obtiveram repercussão e desapareceram na amnésia que apagou a história da mulher, fruto do corporativismo masculino”, disse a pesquisadora Constância Lima Duarte, no debate que inaugurou a exposição na semana passada (2/4). Uma dessas escritoras é a norteriogranden

Exposição resgata história do “Treme-treme” paulistano

Fachada do São Vito, em foto da exposição do Sesc   Uma das passagens mais interessantes no livro Minha História , de Michelle Obama, quando conta sobre a decadência do bairro onde cresceu em Chicago, é que a ideia da degradação de um local vem antes que a degradação em si. No caso, o medo das famílias brancas de que o aumento da população negra no bairro o empobreceria, fez com que se mudassem e, com isso, as famílias negras mais abastadas passassem a fazer o mesmo movimento. Com isso, se realizou a profecia inicial, com a piora na qualidade das escolas e aumento da violência, entre outros problemas. Esse movimento é um velho conhecido de São Paulo e um dos casos mais bem acabados é a região do Parque D. Pedro II, no Centro, que sucumbiu a partir da migração (ainda em curso) das elites rumos à zona sul. A dimensão desse abandono foi tão poderosa que todas as tentativas de recuperação até agora, seja com uma intenção mais social ou com fins de gentrificação, deram com os burros

Mesmo quando anda pra trás, felizmente a roda é viva e sempre pode mudar

Teatro Oficina, aberto pra cidade. Quando comprei as entradas para assistir à montagem de Roda Vida, no Teatro Oficina, há um mês, o que me moveu foi a vontade de conhecer esse espaço de resistência e inovação da cidade neste momento de retrocessos múltiplos que me indignam a cada dia. Foi meu marido que me chamou a atenção para a data que tinha escolhido, confesso que aleatoriamente: 31 de março. O que já era para ser um programa bacana em família, passou a ter um significado mais especial a partir do momento em que Bolsonaro recomendou que se comemorasse o golpe militar que implantou a ditadura no Brasil. Difícil descrever a emoção de estar naquele lugar com meus filhos e marido nesse domingo e sentir a energia tanto naquele palco improvável quanto na plateia, que se mistura a ele. Acho tão surreal termos um governo que em três meses só trabalhou para retirar direitos conquistados e com equipe e entourage que chegam a ser escatológicas, que necessito me cercar de pessoas que ma