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Mostrando postagens de 2021

Para Luiza

Estávamos na piscina com nossos gêmeos. Eu sentada na borda e Ricardo dentro d’água, que lhe chegava à cintura. Batíamos papo enquanto as crianças, em fila indiana, pulavam na água sob sua supervisão. Com a desenvoltura que dois anos a mais de idade dão às crianças, minhas meninas saltavam sozinhas e batiam pés e mãos desajeitados até a beira para voltar para a fila. Quando chegava a vez dos dele, Ricardo dava um passo à frente, segurava suas mãozinhas para o pulo e os colocava novamente para fora.  Mas Luiza não via justiça na independência das amigas. Do alto dos seus quase dois anos, quando chegava sua vez, encolhia os braços e repetia: “xozinha”. Sem repercussão para sua indignação, acabava cedendo e dava as mãos para não perder a vez. Estava, porém, visivelmente brava. Até que, em uma das rodadas, sem se voltar pra ela ou interromper nossa conversa, Ricardo não avançou para pegar Luiza. Incrédula, mas confiante, ela respirou e pulou.  Foram frações de segundo entre o salto e o res

O mirante, a rosa e a fonte milagreira

A sensação no mirante era de abandono diante da emoção de ver por inteiro a paisagem já entranhada aos pedaços do chão. Mas havia ainda um outro abandono, este incômodo, do local mau cuidado que servia de base para a contemplação da planície de palmeiras e praias infinitas. Um espaço turístico, mas de terra esburacada, fios soltos, construções meio abandonadas. De repente, a menina, algo como cinco anos, chega do nada e me oferece uma rosa feita de palha. “Um presente para você”, diz olhando para o chão e voz envergonhada de quem foi mandada fazer algo que a deixava desconfortável. Pela primeira vez, olho ao redor e vejo, por traz de algumas árvores, duas mulheres sentadas no chão e dedicadas à produção das flores, cercadas de crianças e embalagens de copos e quentinhas espalhadas com seus materiais de trabalho. Tão sem-graça quanto a garotinha, aceito o “presente” que me trouxe à realidade, vou até o carro, pego um dinheiro, e me aproximo das mulheres. Uma das amigas que estavam com

Sobre a praia e o lixo, ou os restos que deixamos e o mar devolve

  Minha pior experiência com lixo oceânico foi na Grécia, há uns sete anos. Havia chegado a Istambul um dia antes e embarcado em um iate para uma viagem de dez dias pelas ilhas turcas e gregas na qual até hoje não sei como caí e o que estava fazendo lá, mas isso é outra história. Após uma noite a bordo, acordamos em território grego e de frente para duas ilhas paradisíacas, uma cheia de casinhas brancas e restaurantes caros da nossa imaginação e outra que parecia um recando verde esquecido do mundo – a segunda parte da frase é verdadeira. Como ficaríamos um dia inteiro no local, escolhemos ir primeiro ao destino natural, para o que parecia ser uma praia virgem, que sabemos não existir, mas fantasiar não custa nada. Conforme o bote se aproximada da praia, porém, brilhos e cores difusas começaram a aparecer e a nos intrigar. À medida que chegávamos mais perto, percebemos que se tratava de um depósito de lixo cuspido pelo mar que tomava todo o espaço, desde uns três metros dentro d’água

A Casa Azul

Morar em uma casa simples, térrea, de frente para uma pracinha de verdade, daquelas com bancos de concreto e crianças brincando de esconde-esconde, senhoras que conversam ou só veem o tempo passar e casais de namorados que aproveitam o escurinho depois que o sol se põe. Assistir a tudo isso de uma varanda, com jardim e muro baixo, de onde também é possível entrever o mar. Fazer deste terraço o escritório de trabalho, no qual se esquece computador e celular do lado de fora enquanto vai almoçar e não lembrar que seria melhor levar para dentro. Sem falar do clima ensolarado e quente na medida, que fica sempre entre 24 e 29 graus. Tudo isso me foi concedido. Por um mês. Graças ao Airbnb, ao Google Earth, à internet, ao home office e algumas economias. Claro que a chegada à Casa Azul – sim, a casinha tem nome e é só mencioná-lo e todos por aqui sabem onde estou hospedada – em Porto da Rua, São Miguel dos Milagres, Alagoas, não foi sem algum susto. Como boa paulistana, vinda de uma cultura