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Sanear é preciso


Se tem uma coisa que nunca teve investimento massivo no país é o saneamento básico. Isso diz muito sobre a falta de consciência sobre direitos que afeta nossa população. O brasileiro aceita facilmente a ladainha política de que nossa defasagem é tão grande que não pode ser solucionada e acaba achando natural conviver com rios que são esgotos, mares cheios de resíduos, populações inteiras vivendo ao longo de córregos infectos e no meio do lixo. Com isso, fica fácil acreditar na ideia de grandeza baseada em destruição de florestas, mineração em qualquer lugar e de qualquer jeito, produção agrícola a base de todo tipo de agrotóxico em quantidades astronômicas. Já que estamos condenados a viver na porquice, que ela seja ilimitada.
Legenda dispensável.
A Lei Federal do Saneamento Básico (Lei no 11.445/07) completou doze anos no início deste ano sem que a universalização desse serviço público esteja sequer próxima no Brasil. No final da segunda década do século 21, mais de 35 milhões de pessoas ainda não têm acesso à água tratada; menos da metade dos brasileiros possui acesso à coleta de esgotos e somente 42,67% dos esgotos coletados no país são tratados, conforme o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (2015).

O problema é que saneamento básico tem ligação direta com a saúde e a qualidade de vida do cidadão, e sua falta, além de aprofundar a desigualdade social e ferir a dignidade da pessoa humana, é um impedimento a um maior desenvolvimento econômico do país. Atualmente, o Brasil ocupa a 72ª posição no Relatório Global de Competitividade do Fórum Econômico Mundial, o que é um absurdo levando em consideração o tamanho econômico do país. Impossível não incluir a falta de saneamento básico como um dos motivos que levam a esse resultado.

Lembrando, ainda, que, além dos serviços de abastecimento de água potável e coleta, tratamento e disposição final dos esgotos sanitários, também fazem parte do saneamento básico a drenagem e manejo das águas pluviais urbanas, a limpeza urbana e o manejo dos resíduos sólidos. Ou seja, se computarmos todos os prejuízos anuais no Brasil com enchentes, por exemplo, que atingem não apenas as grandes cidades, vemos que o que parece caro, pode ser muito lucrativo para o cidadão e o país.

Embora assunto seja sempre relegado a quase nada nas discussões eleitorais, quem tiver curiosidade de saber a quantas anda o saneamento na sua cidade – quem sabe isso o motive e pensar nisso na hora de escolher candidatos no próximo ano para a administração municipal -, o Instituto Trata Brasil lançou neste mês o portal PainelSaneamento Brasil, com indicadores sobre a situação do saneamento das 200 maiores cidades do país. A ideia, porém, é incluir os 839 municípios com população acima de 50 mil habitantes. Nele, o interessado tem acesso fácil a dados relacionados a municípios, estados e regiões metropolitanas, comparando dados de saneamento a indicadores de saúde e renda, educação, valorização imobiliária, impactos ao turismo, entre outros.

Conferi os dados sobre a Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), a segunda mais rica do país (só perde para o Distrito Federal), com renda média de R$ 3.350,00, e descobri que 1,3% da sua população de mais de 21 milhões de pessoas não conta com acesso a água tratada (283.122 pessoas) e 9,7% (mais de 2 milhões) sequer têm coleta de esgoto. O incide de esgoto tratado não chega à metade (48,5%). Parece ruim, e de fato é (basta dar uma passadinha nas marginais Tietê e Pinheiros e dar uma olhada em seus dois principais rios para não deixar dúvida).

Segundo o portal, em 2017, houve na RMSP 6.017 internações causadas por doenças de veiculação hídrica, entre os quais 139 morreram. Os dados mostram também como a falta de saneamento e mais um reforço na indigna desigualdade do país: Enquanto a renda das pessoas com coleta de esgoto é de R$ 3.414,00, as que não contam com o serviço é de R$ 2.154,00; a escolaridade é de 10,26 anos de educação formal para quem têm saneamento para 8,86 anos para os que não têm; o aluguel médio das morarias saneadas é de R$ 1.051,00, contra R$ 377.00 nas demais. E veja que, comparada à maior parte do país, São Paulo está bem na fita.  

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