![]() |
Teatro Oficina, aberto pra cidade. |
Difícil descrever a emoção de estar naquele lugar com
meus filhos e marido nesse domingo e sentir a energia tanto naquele palco
improvável quanto na plateia, que se mistura a ele. Acho tão surreal termos um
governo que em três meses só trabalhou para retirar direitos conquistados e com
equipe e entourage que chegam a ser escatológicas, que necessito me cercar de
pessoas que mantêm a sanidade.
![]() |
Nós nos andaimes, ops, plateia. |
O Oficina é mais um daqueles lugares quase mitológicos de
São Paulo que eu, no meu provincianismo, não conhecia. A concepção do lugar
como se fosse uma rua no lugar do palco, com a plateia às margens ocupando uma
estrutura que parece um andaime, é uma experiência em si. Não sei como era
antes da reforma, mas o projeto atual, de Lina Bo Bardi e Edson Elito
(inaugurado em 1994), com a parede de vidro que dá para o estacionamento do
Silvio Santos e o que vem além, e os inúmeros recursos usados pelos atores para
estar sempre muito junto ao público dão um toque mágico. Parece que participamos
do espetáculo e não apenas assistimos.
Estando ali, entendi a polêmica com o
empresário/apresentador que luta há anos para construir neste terreno vizinho
um grande empreendimento imobiliário. O teatro é tombado pelo Condephaat (órgão
estadual de defesa do patrimônio) desde 1981 por sua importância histórica à
arte do teatro nacional (e desde 2010 é tombado também nas esferas federal e
municipal), o que torna qualquer construção no entorno sujeita a respeitar sua
preservação. Não precisa ser um especialista em patrimônio material (no caso, a
arquitetura) e imaterial (a ludicidade da arte) para olhar pelas incríveis
janelas que fazem o espetáculo comungar com a cidade lá fora e perceber que qualquer
intervenção no terreno vizinho que não seja o (reivindicado pelos
representantes do teatro) Parque do Bixiga seria criminosa.
Sob qualquer aspecto, um empresário que ficou milionário
às custas de explorar pobres com seu Baú da Felicidade e uma concessão pública
deveria ter a generosidade de retribuir à sociedade com um projeto que
valorizaria muito mais aquele entorno do que mais um arranha céu. Ao contrário,
se empenha em liberar a obra junto aos órgãos de proteção. Acompanhemos os
desdobramentos, ainda mais nesta época bicuda de devoção ilimitada ao capital.
Busca a qualquer preço por dinheiro e fama é justamente o
tema de Roda Viva, de Chico Buarque, que está completando 50 anos de sua
primeira exibição, quando foi sistematicamente censurada pelo regime militar.
Conta a história do cantor Benedito Silva que ganha fama (após vender a alma ao
diabo) e depois é engolido pela indústria cultural. Considerada subversiva e
degradante pela ditadura (aquela que não existiu, não perseguiu nem torturou
ninguém), teve o teatro invadido durante sua temporada paulistana, em 1968, com
o cenário destruído e os atores (incluindo Marília Pera) espancados. Em Porto
Alegre, os meigos espancaram os atores no hotel mesmo.
Desde então, a peça não havia mais sido encenada e apenas
agora teve autorização do autor para uma nova montagem, atualizada pelo diretor
Zé Celso Martínez Correa para incluir as novas mídias (internet e mídias
sociais) e o inacreditável momento político nacional. A presença magnética de
Zé Celso marcou o início e o final da encanação, que trouxe o samba enredo
campeão de 2019 da Mangueira, História
para ninar gente grande, com toda a equipe do espetáculo e o público em uma
confraternização que saiu da viela cenográfica para a rua real, terminando a
noite em celebração.
Comentários
Postar um comentário