A 7ª Mostra Ecofalante de Cinema Ambiental termina hoje,
depois de duas semanas, quando exibiu mais de 120 filmes de 31 países, gratuitamente,
em vários espaços de São Paulo, além de realizar debates, oficinas e prêmios.
Nesta edição, assisti a quatro filmes, com temáticas
diferentes e bastante contundentes. Fiquei feliz porque todas as seções a que
estive estavam lotadas – porém foram acompanhadas de debates, então não sei
dizer se foi uma constante. Mas uma coisa é certa: a mostra vem crescendo muito
e deve aumentar ainda mais nos próximos anos, tanto porque o público vem
aprendendo a assistir documentários quanto porque a temática socioambiental
ambiental vem ganhando adeptos.
Acredito que o interesse por documentários venha da maior
difusão deste tipo de filme a partir das TVs pagas e streaming, mas também da
pouca profundidade e credibilidade tanto da imprensa tradicional quando das
redes sociais. Notícias rápidas cansam e não satisfazem, as pessoas buscam nos
documentários um pouco de reflexão. A maior conscientização e os sinais do dia
a dia também têm aumentado a curiosidade sobre mudanças climáticas, economia
verde, consumo sustentável, entre outros assuntos para os quais passamos a dar
importância e procuramos maneiras de nos informar.
Mais do que os debates, que trouxeram visões muito
interessantes, os filmes que vi foram todos muito perturbadores. O primeiro
(Safari, de Ulrich Seidl, Áustria, 2016), que abriu a mostra, é bastante indigesto,
várias pessoas não conseguiram ficar até o fim. O documentário mostra europeus
(alemães e austríacos) que fazem “turismo” de caça na África. Para alguns, é chocante
ver tirar a pele de uma zebra ou de uma girafa, com o que concordo. Mas o pior
no filme, para mim, foram os depoimentos dos turistas/caçadores, descrevendo o
prazer de atirar, os motivos torpes e mentirosos que justificam seu hobby
(chegaram a dizer que é pelo bem dos animais, pois já estão velhos) e o prazer
em tirar fotos ao lado do bicho morto. A desfaçatez de contarem com ajudantes
negros para fazer praticamente todo o trabalho (eles não carregam nada, não
fazem praticamente nada, apenas apertam o gatilho após o guia escolher o bicho
e posicionar a arma, e sorriem para a foto). Depois da caça, após escalpelarem
o bicho, os nativos ficam apenas com suas patas, que levam para alimentar a
família em casebres miseráveis. Como disse um amigo, não é exatamente um filme
sobre natureza, mas sobre a natureza humana.
O segundo filme que assisti, Sob a Pata do Boi (de Márcio
Isensee e Sá, Brasil, 2018), aborda a criação de gado na Amazônia, mostrando
sua relação direta com o desmatamento. Apesar de fazer um alerta,
principalmente para os consumidores urbanos, para que se antenem sobre de onde
vem o seu bifinho, é um filme um pouco mais otimista, ao mostrar que já há pecuaristas
fazendo diferente e que é possível produzir sem destruição. A diferença entre
uma fazenda bem manejada das demais é uma coisa que sempre me impressionou nas
minhas idas para a região. São oásis cercados de “velho oeste” ou, em alguns
casos, quando a queimada da floresta foi recente e não tiveram nem o trabalho
de tirar os tocos das árvores incendiadas, parecem cenário de filme pós hecatombe
nuclear.
Minha terceira incursão foi para o debate sobre consumo,
precedido de um curta chamado Coração de Açougueiro (de Marijn Frank, Holanda,
2017), que descreve o dia a dia de uma família de açougueiros pela perspectiva
de um adolescentes dividido entre a tradição de trabalho da família e o bullying
que sofre dos colegas por conta da atividade: pouca gente encara que, para
comer carne, um animal deve ser morto.
Logo em seguida, Uma História de Desperdício (de Anna
Chai e Nari Kye, Estados Unidos, 2017) apresenta as consequências do consumo
alimentar no mundo, mostrando o desperdício desde a produção do campo,
industrialização, comercialização, consumo e descarte. E como o que é jogado
fora seria suficiente para que não houvesse ninguém passando fome no mundo. A
condução do filme segue a sequência que nós, comunicadores da área, tendemos a
dar para nossos produtos (sejam filmes, matérias, livros), que é mostrar os
problemas e depois trazer as soluções que estão sendo buscadas. Nesse caso,
animais alimentados com sobras da indústria, restaurantes populares abastecidos
com sobras de restaurantes chiques, países onde o descarte tem reduzido muito.
O tom otimista dessa última parte, porém, é minimizado no
depoimento do chef-celebridade Anthony Bourdain, que abre e fecha o filme. Norte-americano,
super viajado e estrela de TV, começa falando da diversidade dos alimentos no
mundo, em como as pessoas se conectam por meio deles. No final (não lembro as
palavras literais, mas a mensagem me marcou muito), começa com um discurso
edificante, mas termina ironicamente perguntando se deveria dizer que, na verdade,
não há solução, já que o problema está mesmo no ser humano.
Mais uma falha minha, nuca tinha ouvido falar de Bourdain,
que sequer foi identificado no filme. Mas seu tom pessimista me deixou triste,
pois, sem esperança, o que nos resta é ficarmos imóveis vendo o apocalipse
chegar. Eis que dois dias depois de conhecê-lo no filme, descubro quem é pelas
manchetes que noticiaram o seu suicídio. Desde então, tenho pensado bastante que
precisamos realmente encarar nossos problemas como espécie e, para isso, é
necessário ir fundo em questões que não gostamos, sobretudo nossa maneira
injusta de tratarmos com nossos semelhantes, com as desigualdades de todos os
tipos, e de lidarmos com nossa casa, que é o planeta que habitamos. Para tanto,
filmes como os da Ecofalante são essenciais. Mas que nos levem para uma (re)ação
e não para a depressão.
(Foto: cena do filme Safari/Divulgação)
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