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Nostalgia do que não vivi



Visitar a Casa da Imagem, para qualquer paulistano ‘da gema’, é como viajar no túnel do tempo e sentir saudade de uma cidade que não existe mais, ou ainda, acompanhar as diversas cidades que foram se transformando e sobrepondo para desembocar nesta que habitamos hoje. Este museu, localizado próximo à Praça da Sé, ao lado do Pátio do Colégio, faz parte do Museu da Cidade de São Paulo, responsável por 13 edificações históricas que exemplificam a evolução das técnicas construtivas da cidade (várias delas não sabia que existiam), entre as quais estão também o Solar da Marquesa de Santos, separado da Casa da Imagem pelo Beco do Pinto, sobre o qual falarei daqui a pouco.

A Casa da Imagem abriga o Acervo Iconográfico de São Paulo, composto por 84 mil fotografias, das quais 140 estão expostas aos visitantes. Elas mostram São Paulo em diversas fases desde a segunda metade do século XIX, quando era uma cidadezinha, antes de se tornar a metrópole do café. Dá para acompanhar o crescimento vertiginoso a partir do início do século XX, quando ainda se conseguia ver as várzeas dos rios e a Serra da Cantareira praticamente de qualquer lugar. Acompanhamos a cidade se industrializar e expandir, com os bairros operários, e se sofisticar, com a construção da avenida Paulista. Vemos o crescimento vertical, com os primeiros arranha céus, a abertura de novas vias, as mudanças nos transportes – dos diversos tipos de bondes até o metrô.

O mais legal, porém, está no fim: na última sala do andar de cima fica passando um filme, realizado como propaganda do Sesquicentenário de São Paulo, comemorado em 1954. Em um tom mais do que ufanista, o documentário enaltece a cidade que é “um fenômeno único no mundo”, passando de 350 mil habitantes na passagem do século para os 2,2 milhões cinquenta anos depois. A cidade “que mais cresce no planeta” atraia visitantes dos quatro cantos do mundo para ver as oito casas que eram construídas por hora, além dos grandes edifícios, avenidas e viadutos que surgiam velozmente e a quantidade de carros que não parava de aumentar. A metrópole, diz o filme, se preparava para ser o centro de um Brasil que caminhava a passos largos para ter seu lugar entre os países mais desenvolvidos do mundo. Vale muito a pena assistir!

Como o nome diz, a proprietária e moradora mais ilustre do vizinho Solar da Marquesa de Santos foi Domitila de Castro Canto e Melo, que viveu lá entre 1834 e 1867, quando faleceu. Nessa época, o imóvel era famoso pelas festas promovidas por sua dona e era conhecido como Palacete do Carmo. Ambos os imóveis tiveram vários proprietários e usos até serem restaurados e abertos ao público em 2011. Com isso, apesar de serem bons representantes do que era a cidade no século XIX, foram bastante alterados ao longo do tempo e pouco mostram do estilo de vida da aristocracia de então.


Por isso, a maior atração do Solar da Marquesa, até 13 de dezembro de 2018, é a exposição “Yolanda Penteado, a dama das artes de São Paulo”, que apresenta a trajetória da mulher que, junto com Assis Chateaubriand e Francisco Matarazzo Sobrinho (Ciccillo) – com quem foi casada -, brindaram a cidade com o MAM SP, o Masp, a Bienal de São Paulo, além de contribuírem para a criação do MAC USP.

Fazendeira e socialite, foi daquelas mulheres plenamente classificadas no chavão “à frente de seu tempo”. Nascida no início do século passado, foi casada e se separou duas vezes, administrou sua fazenda, viajou o mundo e conviveu com os maiores artistas de sua época. E ajudou a trazer São Paulo para o cenário internacional das artes. Essa mulher trouxe Guernica, de Picasso, para a II Bienal de São Paulo, em 1953!!


Agora, para mim, o menos conhecido dos três espaços é o que tem a história mais interessante sobre a relação da cidade com seus cidadãos e sobre quem manda nela. O Beco do Pinto é uma antiga passagem entre o Solar da Marquesa e a Casa no 1 (como era conhecido o casarão da Casa da Imagem), que, desde a época colonial, era usado para o trânsito de pessoas e animais entre o largo da Sé e a várzea do rio Tamanduateí. Ganhou esse nome quando, em 1821, o Brigadeiro José Joaquim Pinto de Moraes Leme, então morador do futuro Solar da Marquesa, resolveu fechar o acesso ao beco, privatizando-o e criando uma briga com a vizinhança. Em 1826, a passagem foi reaberta e recebeu da Câmara o nome oficial de Beco do Colégio. Mas, quando o imóvel foi comprado pela Marquesa de Santos – veja só -, a passagem foi oficialmente fechada. Atualmente restaurado, é um lugar bem bonito com vestígios do calçamento original (e fechado na parte de baixo por um portão).

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