Ando me permitindo alguns luxos. Um deles foi ter aceitado
um convite para acompanhar meu marido em um evento em Gramado, no Rio Grande do
Sul, na semana passada. Viagem de esposa, só pra passear mesmo. Daquelas em que
se sabe muito remotamente do que se trata e que, no máximo, precisa aparecer em
algum jantar. Achei que, depois de tanto tempo juntos, merecia um programa de
dondoca.
No primeiro dia, não me fiz de rogada. Me esbaldei de
caminhar pela charmosa cidade, que não visitava há uns 20 anos, fui a alguns
parques ver as paisagens da Mata Atlântica serrana, com suas araucárias,
cânions e cachoeiras deslumbrantes, e percorri as principais ruas do centro com
suas milhares de lojas de chocolate e roupas de frio que acho lindas, mas não
teria onde usar: nem lá, já que temos nos esforçado muito para aumentar a
temperatura do planeta e, enquanto estive na Serra Gaúcha, só senti mesmo um leve
friozinho.
Ao reencontrar meu marido no final da tarde, porém, a consciência pesou um pouco quando vi seu entusiasmo com o evento que estava acompanhando. Além do tema em si - a 27ª Jornada Internacional de Direito tinha como tema Democracia e Valores Humanos, assunto bastante caro para nós -, os organizadores se pautaram por garantir equidade absoluta de gênero e raça entre os convidados. Deveria ser uma escolha banal em um evento voltado a estudantes de Direito, em um país onde metade da população é negra e metade é mulher.
Mas, como sabemos, a verdade é que apenas o quadrante que não
citei dessas metades sobrepostas, ou seja, os 25% de homens brancos, costuma reinar
como palestrantes em encontros do gênero no Brasil. E não estou me referindo somente
aos eventos de Direito. Nas minhas andanças ambientalistas e feministas, entre
outras, já acompanhei encontros apenas de mulheres (claro que voltados às
questões femininas) e, em pouquíssimos casos, equidade de gênero, mas de gênero
e raça nunca havia visto.
Resolvi abrir espaço em minha recente e almejada vida inconsequente
para ver de perto, na manhã seguinte, o que estava acontecendo no famoso
Palácio dos Festivais de Gramado. Não me arrependi.
Logo ao chegar, era visível que a diversidade do palco se refletia na plateia, o que não é trivial para um evento que acontecia no Sul do Brasil. Nas diversas palestras que assisti, ouvi mulheres incríveis, entre elas a pesquisadora Winnie Bueno, de quem já era fã, além de Maria Angélica dos Santos, Juliana Albano, Tatiana Marcello, Luana Pereira da Costa, entre outras (e outros). As falas refletiam a mensagem básica que deveria nortear todas as políticas e ações neste país: sem diversidade, não há democracia ou direitos humanos. Ou, nas palavras do genial Emicida: “tudo que nois tem é nois”. Todos nós, não somente alguns de nós.
Metida que sou, ainda disse ao curador do evento, o advogado
Fabiano Machado da Rocha, que estava faltando representação indígena na
seleção, ao que ele agradeceu e garantiu que providenciará para a próxima
edição. Já passou da hora do Brasil mostrar sua cara real em todos os palcos e espaços
de representação e poder.
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