O
menino tinha uns sete anos. Um dia chegou esbaforido da escola, bochechas
vermelhas de excitação, e anunciou:
-
Preciso comprar as cartas de Yu-Gi-Oh!. Todo mundo tem!
A mãe não fazia ideia do que
se tratava, mas, solícita, perguntou onde comprava.
- Em qualquer banca de
jornal.
Imaginou que fosse um gibi
ou um álbum de figurinhas e prometeu passar para dar uma olhada. Ao chegar ao
jornaleiro, porém, levou um susto. Tratava-se de algo como um jogo de baralho,
com o qual os meninos travavam batalhas. O problema é que era importado e
custava uma pequena fortuna para a época. Já poderia ser considerado um
presente, e presentes, no combinado familiar, eram reservados para ocasiões
especiais. Comunicou ao filho.
Inconformado, depois de
apelar para o pai, para a existência de cheque e cartão de crédito, “afinal,
com eles, nem é preciso ter dinheiro”, o menino trouxe a solução: o preço do Yu-Gi-Oh!
era seis vezes sua mesada. A mãe poderia emprestar o dinheiro e ele ficaria sem
mesada por todos esses meses. Dividida entre o orgulho pela engenhosidade do
rebento e a raiva dessa imposição de consumo, acabou concordando com a
proposta. E, como mãe que era, ainda recomendou ao entregar as cartas ao filho,
depois que as compraram juntos:
- Toma cuidado com elas. São
seis meses de mesada!
Ao voltar do trabalho,
naquele mesmo dia, a mãe pressentiu o clima de enterro em casa assim que
colocou os pés para dentro. As filhas mais novas sentadas no sofá como se
fossem princesas medievais, a babá entre constrangida e p. da vida, e o
negociante suado e com olhos fundos de choro. Quis saber o que aconteceu.
A babá e o menino passaram a
falar ao mesmo tempo aos borbotões, mas a história era simples. À tarde, no
clube, enquanto a babá estava com as meninas no parquinho, o filho foi jogar
futebol e deixou a caixa das figurinhas na arquibancada. Quando se lembrou
delas, não estavam mais lá.
A mãe, consumidora de todas
as cartilhas sobre como ser uma mãe moderna, segurou a vontade de explodir,
respirou fundo, e conversou com o filho, que novamente desandara no choro:
- Que pena! Quem sabe da
próxima vez você cuida melhor das suas coisas. Deixar em qualquer lugar não é
uma boa escolha - e blá, blá, blá até a criança se acalmar. De repente, o rosto
do menino se iluminou, enxugou os olhos e, com um sorrido, falou à mãe:
- Pelo menos agora eu vou
ter minha mesada de volta.
Nessa hora, talvez pela
primeira vez nesse caso todo, a mãe se comoveu verdadeiramente e ficou longos
segundos sem palavras. Como explicar ao pequeno que a dívida não se acaba com o
desaparecimento do que foi comprado com o empréstimo? Desse jeito mesmo, é
obvio, e foi o que ela fez, de coração partido.
A tristeza dupla do menino durou alguns dias, mas não se falou mais no assunto, embora permanecesse como um peso para toda a família. Pouco mais de um mês depois, o pai viajou a trabalho para os Estados Unidos e ligou para a mulher para dizer que, lá, o Yu-Gi-Oh! custava menos da metade do que no Brasil.
- Que tal levar de presente pra ele?
Pais amolecidos de classe
média funcionam assim. E é difícil saber se quem ficou mais feliz foi o filho
ou eles mesmos. Mantiveram, entretanto, o compromisso da dívida, que foi regiamente
paga em seis meses.
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