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Ilustração de Manoel de Barros. |
Sempre achei que um dos meus principais defeitos de nascença
era a falta de gosto sincero pela poesia. Como uma pessoa que ama tanto ler não
se identifica com um tipo de escrita tão nobre? Claro que, ao longo dos anos,
me apaixonei por alguns sonetos de Camões, alguns poemas de Vinicius de Moraes
e Carlos Drummond de Andrade. Mas se
for bem sincera, amor mesmo tenho pelo letrista e pelo cronista, os quais
embalaram minha adolescência e ainda hoje me fazem parar o que estou fazendo
para escutar uma música ou reler um crônica que vou descobrindo que já conhecia
ao longo do texto.
Confesso, ainda, que tive uma epifania quando viajei para o
Chile com as casas de Pablo Neruda. Visitei as três e chego a sonhar com elas,
sobretudo a de Isla Negra. Mas seus livros li sem a mesma emoção. O mesmo vale
para Mário Quintana. A cada vez que passo no centro cultural que o homenageia
em Porto Alegre me sinto leve e confortada, mas não me animo da mesma forma com
seus livros. Não me lembro de chorar lendo um poema e me pergunto como isso
pode acontecer, se chego a soluçar mergulhada em romances, biografias e até
livros reportagens e ensaios. Já fiquei doente e com febre ao longo de um Kafta
ou um Zola.
Mas eis que passei para dar uma olhada na Ocupação Manoel de
Barros, no Itaú Cultural (até 7 de abril), e me vi desejando mais e mais da
infância, comunhão com a natureza e desfaçatez com as palavras, tão belamente
modificadas para significar exatamente o que a imaginação do poeta quis dizer,
que encontrei ali. Talvez seja a identificação com o tema, essa saudade que
carrego de uma vida junto a rios, plantas e bichos que nunca tive. E aconteceu.
Li e reli os versos da exposição e saí de lá com uma publicação que traz
respostas dadas pelo escritor a entrevistas diversas.
Como era esperado, esses pequenos textos, sobre os quais nem
sabemos quais foram as perguntas, me encantaram ao ponto de não conseguir me
separar deles. Não são poesia convencional, mas a prova de que Manoel de Barros
pensa poeticamente, de maneira que é impossível separar homem e poeta, ao
contrário de uma de suas mais constantes afirmações, de que não misturava o
poeta com o fazendeiro. Se o fazia, era realmente bom nisso, e não deve ter
deixado transparecer o fazendeiro em nada que fazia como poeta. Mas acho que
são a mesma pessoa e que essa suposta repartição é fruto de sua confissão: “noventa
por cento do que escrevo é invenção; só dez por cento é mentira”.
Tudo isso para dizer que talvez esse meu defeito tenha cura,
seja apenas uma imaturidade persistente, e que terei que voltar minha atenção
com mais leveza e afinco aos versos em geral. E também para fazer uma homenagem
torta ao Dia Mundial da Poesia, que só soube que era em 21 de março agora a
pouco.
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