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Um “curso” para entender o amor romântico e fazer com que dure para sempre

Livro do mês do CFL.

 O que faz um casamento feliz e duradouro? A escolha certa? As experiências anteriores do casal? A vontade de que dê certo? Quais as vantagens e os problemas causados aos relacionamentos no modelo de amor romântico que rege as relações na nossa época? Essas são as questões que o escritor e filósofo suíço Alain de Botton tenta responder no livro O curso do amor, no qual mescla a história do casal Rabih e Kirsten com intervenções analíticas sobre como funcionam os relacionamentos e que foi o tema da reunião do nosso Círculo Feminino de Leitura (CFL) de março.
A leitura, às vezes gostosa, às vezes entediante, como a vida do casal Khan, em Edimburgo, propositalmente comum - ali apenas para servir de escada para as digressões do autor -, nos traz, porém, muita daquela sabedoria simples sobre a qual não paramos para pensar. Por exemplo, como o sexo, mesmo sendo bom por si só, ganha sabor com a intimidade, mas também precisa de fantasia para se manter atraente.
Em seu todo, o “curso” de Botton mostra o quanto a vida fica boa quando temos alguém com quem nos identificamos para dividir as agruras do dia-a-dia, mas o quanto, também, esse compartilhamento pode minar o romantismo que motivou a união. Como as experiências que trazemos da infância podem determinar como reagimos em cada situação e como isso pode criar mal entendidos entre pessoas que se amam, com uma falando uma coisa e a outra entendendo algo totalmente diferente. E, sobretudo, como a intimidade – sempre ela – faz com que despejemos nossos problemas e frustrações justamente na pessoa em quem mais confiamos e que nos compreende melhor.
Desafios do amor romântico na pauta.

Administrar tudo isso pode ser bastante difícil, ainda mais quando se junta a responsabilidade de criar filhos e uma cultura que presa a fidelidade sexual como o maior valor em uma relação. Assim, uma única escapada de um dos cônjuges põe para girar a maior crise do casamento de Rabih e Kirsten, desencadeada pela culpa e frustação do traidor e pela reação do outro à mudança de comportamento do parceiro. A terapia de casal e uma maior maturidade consegue, neste “case” inventado pelo autor, resolver estas questões e concluir – acredito que a grande tese do livro – que amor é mais habilidade do que entusiasmo. E que, se não é possível ser, ao mesmo tempo, um libertino e um romântico casado, por mais atraentes que os dois paradigmas sejam, o segundo costuma ser mais satisfatório em longo prazo.
O maior conselho de Botton para que essa empreitada dê certo, e com a minha experiência de mais de 30 anos de casada tendo a concordar, é que “nenhum relacionamento pode começar sem o compromisso com uma intimidade sincera. Entretanto, para o bom andamento do amor, também parece impossível imaginar parceiros incapazes de guardar boa parte de seus pensamentos para si mesmos”. Isso vale para tudo na relação, não somente grandes segredos que poderiam terminar imediatamente a relação. Prefiro meu marido dizendo que continuo tão bonita quanto quando nos conhecemos, do que dizendo que estou ficando velha. Poupar quem amamos da crueldade que não usaríamos com estranhos é um fator primordial para manter relações felizes.
Mas, embora este Curso do Amor termine concluindo que, após 13 anos juntos, o casal finalmente está maduro em sua relação, os filhos de Rabih e Kirsten ainda são pequenos e demandam uma grande empreitada em comum, muito bem delineada no livro: “Eles nunca se preocuparam de forma tão intensa e categórica com ninguém. A chegada dela [da filha] transforma o que entendem sobre amor. Ambos reconhecem que, até então, tinham entendido muito pouco sobre o que podia estar em jogo”.
Mas o que acontece quando os filhos não precisam mais dos pais em seu dia-a-dia ou vão embora, deixando o casal novamente a sós? Se isso antes acontecia com as pessoas em plena meia idade, já sem expectativas, o que fazer hoje com essa geração de perennials, ainda cheia de gás e expectativas?
É disso que trata o filme Um amor inesperado (direção de Juan Vera, ainda em cartaz em São Paulo, com o charmosíssimo Ricardo Darín e a também incrível Mercedes Morán), que me pareceu um ótimo complemento ao livro de Botton, talvez porque entender essa fase seja um dos meus desafios atuais. No filme, a dicotomia aventuras versus rotina, mesmo que esta seja suave e satisfatória, leva o casal a se separar e, realmente, viver aventuras que não teriam como se permitir casados, para redescobrir muito depois o porquê de um dia terem decidido ficar juntos (e com a pretensão de que seria para sempre). Acredito que muitos casais se percam nessa dúvida eterna – ou abrindo mão da vida que era boa pela esperança de novas experiências mais excitantes ou permanecendo como está com a melancolia de quem nunca tentou mudar.
Conseguir conciliar (e resgatar) nesse momento tudo o que sempre foi bom em um casamento e, ao mesmo tempo, se reconectar com a pessoa que escolheu – e que mudou muito ao longo do tempo -, encontrando nela o prazer do romance e da convivência nessas novas bases, sem abrir mão de vivenciar seus próprios novos gostos, desafios e ambições, é o segredo dos casais que seguem acreditando que, embora alma gêmea não exista, o amor pode ser cultivado, renovado e dar muita satisfação para quem sabe investir bem nele.

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