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Imagem conhecida de Jane Austen. |
Poucas coisas são mais “mulherzinha” do que os livros de
Jane Austen. E, no entanto, sou apaixonada por eles. Suas mulheres são fúteis,
fofoqueiras, melodramáticas. Será? Escritos entre o final do século 18 e início
do 19, quando a única ambição permitida ao sexo feminino no ambiente em que
vivia (o que seria hoje uma classe média alta e rural na Inglaterra) era
conseguir um bom casamento, me parece mais que eram inteligentes e pragmáticas.
Afinal, em um mundo onde não tinham nenhuma voz ou direito, que melhor saída
para uma contrariedade, na qual não tinham a mínima chance de fazer valer seu
ponto de vista, do que desmaiar?
Esse recurso é usado mais de uma vez no engraçado e
trágico conto Amor e Amizade, que
acabei de ler. Escrito quando Austen tinha apenas 15 anos, narra as desventuras
econômicas e amorosas de Laura, que conta sua história por meio de cartas à
filha de uma amiga, em um tom de ironia e tragicomédia que prenunciam a grande
autora que se tornaria. Ironia maior, porém, é o fato da escritora ter
usufruído pouquíssimo de seu sucesso. Seus livros publicados em vida não
traziam sua assinatura e, como não se casou, viveu seus 41 anos dependendo financeiramente
da família.
Criada em uma época na qual feminismo ainda era uma
vaguíssima ideia, Jane Austen faz de sua mais icônica personagem, Elizabeth
Bennet (de Orgulho e Preconceito –
minha personagem austeana favorita),
uma mulher com valores fortes sobre não submissão, mas ainda assim muito
realista sobre suas possibilidades. Se casar era a profissão feminina por
excelência naquela sociedade, acho icônico o trecho em que Lizzy conhece na
mansão de Darcy e pensa no que perdeu ao recusar seu pedido de casamento. Raciocina
como uma mulher moderna que recusou uma oferta de emprego por questões éticas,
mas têm consciência de que dificilmente terá outra oportunidade igual.
Tão surpreendente quanto a ironia de Austen em seu tempo,
para mim, foi ler a primeira distopia feminista que já vi. Em Lola pela Manhã, conto também escrito
por uma mulher (Karin Hueck, no livro Realidade
Alternativa – 24 contos além da imaginação, coletânea da revista SuperInteressante, da Abril), a autora
descreve um mundo comandado por mulheres, no qual as líderes decidiram manter
uma porcentagem estável de homens de 15% da população. “A ideia era usá-los
para a procriação, mas preservar a liberdade dos sobreviventes. Mesmo em
minoria, seguiram responsáveis por oito em cada dez dos crimes violentos
registrados”.
A solução, então, foi confiná-los em campos de concentração,
nos quais mantêm suas atividades vigiados de longe, com um mínimo de
intervenção. Assim, em uma singela partida de futebol, por exemplo, torcidas
adversárias deixadas à própria sorte e instinto deixam um saldo de 17 mortos.
Fora dos ambientes masculinos confinados, os índices de criminalidade caíram a
quase zero. Acidentes de trânsito viraram notícia. Mulheres que querem sexo ou ter
filhas (há seleção genética e só nascem homens quando é preciso repor), podem
entrar e escolher parceiros. Mas, passadas algumas gerações, a maior parte das
mulheres prefere mesmo relacionamentos lésbicos.
Tive acessos de riso com esse The Handmaid’s Tale ao contrário, mesmo com o final surpreendente e
pretensamente enigmático.
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