Há
meio século, quando nasci, São Paulo já era uma metrópole, mas seu clima era
ameno, com um friozinho gostoso no inverno e noites agradáveis no verão. Não me
lembro de ver ar condicionado na casa de ninguém que eu conhecesse durante toda
a minha infância. Aliás, nem ventilador. Isso tudo era coisa de quem morava na
praia (como mosquitos e pernilongos, aliás!). A primeira vez que ouvi sobre as
ilhas de calor foi nos anos 1980, a partir dos estudos da professora Magda
Lombardo, da geografia da USP. Na época, já era jornalista e uma aluna
mequetrefe da faculdade em que a geógrafa Lombardo dava aulas. Aliás, foi
também nas aulas daquela faculdade que ouvi falar pela primeira vez em
aquecimento global. Desde aquele tempo, o assunto me tocou e se tornou norte
para minhas escolhas profissionais.
Confesso
que, no início, acreditava que as ilhas de calor eram o maior problema e que
plantar algumas árvores na Zona Leste da cidade iria aplacá-lo. As mudanças
climáticas eram problema para discutirmos, mas só afetariam de verdade, e se
tudo desse errado, meus bisnetos ou além... Quanta ingenuidade. Hoje, segunda
década no século XXI, só os muito muito ingênuos (ou quem nasceu ontem ou
chegou a São Paulo na semana passada) não percebe a incrível mudança no clima
da cidade e suas temerárias consequências. A crise da água e as enchentes são
um bom aperitivo, mas o prato principal está vindo vagarosamente na forma de
mosquitos a granel e nas intermináveis noites escaldantes pelas quais passamos.
Atordoados
(literalmente, pela falta de sono, acredito), começamos a investir em
ventiladores (para os pobres remediados) e possantes ar-condicionados, além dos
incontáveis produtos químicos contra mosquitos. Afinal, já passamos tanto tempo
presos no trânsito, que um pouco de conforto é necessário e merecido. A
analogia que me vem é a historinha do sapo, que colocado numa panela de água
fria, não percebe se ela for esquentando aos poucos e morre cozido sem se dar
conta.
Há
tempos participo de debates sobre como comunicar esse tema amargo. A equação
seria mostrar evidências científicas de maneira que qualquer um entenda, sem
causar alarmismo (pois aí as pessoas fogem e não querem nem saber), mas de
maneira a fazê-las mudar completamente o seu modo de vida. É um desafio
hercúleo, mas necessário.
Recém-ingressada
no maravilhoso mundo do Netflix, achei a nova edição da série Cosmos, lançada
em 2014, pela National Geographic, que não consegui assistir na época porque ver
tv com hora marcada já é incompatível como a vida há mais tempo que isso.
Mergulhei de cabeça, encantada com a capacidade lúdica que essa série tem de
apresentar a complexa estrutura do Universo em uma linguagem acessível a
qualquer um e mostrar como estamos interligados e somos parte irrelevante de
algo muito maior, e porque, tendo tido a sorte de existir neste tempo e neste
espaço, que tem tudo para nos abrigar em segurança - não eternamente, mas por um
bom par de milhares de anos -, podemos estar pondo tudo a perder.
Apresentada
pelo cientista Neil DeGrasse Tyson, seguidor do cientista e astrônomo Carl
Sagan (1934 - 1996), criador e apresentador da primeira versão dos anos 1980, a
série consegue usar de todos os recursos disponíveis para nos transportar para
dentro de uma estrela ou para o fundo do mar e o núcleo de nossas células - a descrição do efeito estufa em Vênus é de arrepiar. Faz
o que for preciso para tornar simples o que é complicado: vai in loco, conta
história, usa desenho animado e sofisticadíssima animação computadorizada.
Deixa qualquer um sem fôlego e emociona. É um tratado contra a ignorância em 13
capítulos.
De
lambuja, ainda fiquei sabendo que o texto autoral mais antigo de que temos
registro é de uma mulher (que viveu onde hoje é o Iraque) e que foram mulheres
que descobriram do que são compostas as estrelas, no início do século XX, em
Harvard, nos EUA. Por que não há quase mulheres na incrível história das
grandes descobertas humanas? Até então, elas eram proibidas de estudar e se
dedicar à ciência, como, aliás, ainda acontece em vários locais no mundo
contemporâneo. Se dois pensam melhor do que um, o quando poderíamos estar à
frente se metade da população do mundo não tivesse sido calada há tanto tempo?
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