Valorizar o protagonismo feminino sempre esteve na minha
pauta, mas ultimamente tornou-se uma obsessão. Enquanto a atuação feminina não
for fortemente valorizada para além dos limites do lar, o risco da sociedade
embarcar em retrocessos bancados por machos inconformados em perder privilégios
ou por mulheres que veem Jesus na goiabeira ou têm outros problemas que as
impede de ter sororidade – não consigo entender o motivo – são grandes.
Nem sei ao certo o que posso fazer nesse sentido, mas o
primeiro passo é conhecer e divulgar, dentro das minhas possibilidades, o
trabalho de mulheres que estão fazendo diferença nesta nossa combalida
sociedade. Há um mês participo do Todas - Círculo de Confiança entre Mulheres,
no qual tenho conhecido mulheres muito interessantes e decididas a compartilhar
suas experiências. Nos últimos dias, também tive o privilégio de presenciar alguns
eventos que me deixaram otimista não apenas sobre o quanto as mulheres têm
feito – já que acredito que sempre fizeram -, mas o quanto estão conscientes da
importância que sua atuação têm para todas as demais.
Um deles foi a primeira conferência da temporada 2019 da
iniciativa Fronteiras do Pensamento, que trouxe a moçambicana Graça Machel.
Esposa de dois dos mais importantes presidentes africanos da história, de
países diferentes, ela nunca se colocou em suas sombras, sendo uma das mais
importantes políticas e ativistas daquele continente, com um trabalho
reconhecido mundialmente em favor da infância e das mulheres. Incrível o
simbolismo de ver aquela mulher africana, negra e poderosa falando sobre o
respeito pela dignidade humana para aquela plateia, como sempre, lotada de
brasileiros brancos de classe média alta. Difícil apenas saber se mais alguém
ali se sentia tão constrangida quanto eu com a situação, em um país com 50% de
população negra.
Machel fez faculdade em Portugal e, de volta a seu país,
lutou com a Frente de Libertação de Moçambique durante a Luta Armada da
Libertação Nacional. Em 1976, casou-se com Samora Machel, o primeiro presidente
do país, e participou do governo como ministra da Educação e Cultura por 14
anos. Continuou sua atuação política após a morte do marido, em 1986, e, em 1990, foi nomeada pela Organização das Nações Unidas
para o Estudo do Impacto dos Conflitos Armados na Infância. Por esse trabalho,
recebeu em 1995 a Medalha Nansen da ONU. Entre as suas condecorações estão o
Prêmio Kora Lifetime Achievement, o World Prize for Integrated Development e a
WHO Gold Medal, mais alta honraria da Organização Mundial de Saúde.
Em 1998, casou-se com
Nelson Mandela, o primeiro presidente negro da África do Sul, de quem é hoje
viúva. Defensora da valorização das comunidades, em 2010, fundou a
Graça Machel Trust, organização que auxilia mulheres empreendedoras no
continente africano. Também integra o The Elders, grupo que reúne grandes
líderes globais. Aos brasileiros que procuram os sentidos da vida, tema das
conferências neste ano, Graça aconselhou cuidar da infância, sobretudo
garantindo para as crianças um mundo melhor, com menos desigualdades raciais e
de gênero, e um meio ambiente saudável.
Outra grata surpresa foi um dos eventos
programados pela SOS Mata Atlântica para o Viva a Mata, ciclo de atividades que
marcam o mês da Mata Atlântica. Pela primeira vez, nestes muitos anos de
ativismo ambiental, vi um evento voltado a ressaltar o protagonismo feminino.
Cinco convidadas contaram suas experiências que vão muito além do trabalho, mas
estendem-se pela maneira com que levam suas vidas, buscando o bem-viver não
apenas na sustentabilidade, mas também na valorização de seu lugar de fala
feminino.
A apresentadora Fernanda Cortez, criadora
da plataforma Menos 1 Lixo e defensora da ONU Meio Ambiente Brasil na Campanha
Mares Limpos, contou como sua inquietação com a indústria da moda, área em que
atuava, a levou a uma mudança profissional e a fazer da sustentabilidade um
estilo de vida. A socióloga Luciana Sonck, fundadora da Projeto 225, empresa de
consultoria na área de desafios socioambientais e políticas públicas, e criadora
da Butique Sustentável, iniciativa de reeducação no consumo de moda, defendeu
que, embora a agenda ambiental seja mais do que um agenda feminista, mas uma
agenda pela vida, a questão de gênero precisa ser ressaltada, já que 70% dos
que sofrem com problemas ambientais são mulheres e meninas.
A arquiteta e urbanista Luciana Travassos, professora
da Universidade Federal do ABC e doutora em Ciência Ambiental, contou que
passou a perceber a importância da presença feminina nas lutas ambientais
trabalhando em campo, em projetos ligados às desigualdades espaciais e rios
urbanos, ao ver que a maior parte de quem atua nas questões coletivas são mulheres.
Mariana Belmont, jornalista e ativista política, integrante do movimento Ocupa
Política – parceirona também na Aliança da Água – também ressaltou, a partir da
experiência de quem nasceu em Parelheiros, no extremo da cidade de São Paulo,
que os movimentos por moradia, ambiental e negro são puxados por mulheres. Mas
também mostrou a importância de se olhar a cidade a partir da periferia e não
apenas dos centros elitizados.
A fotógrafa Marina Klink contou como
transformou sua relação com a natureza, a partir de viagens a locais remotos do
planeta, em nova profissão – abandonou a produção de eventos para se tornar
fotógrafa e palestrante –, tornando seu trabalho uma causa que mobiliza toda a
sua família, que incluí três filhas e o marido famoso, o navegador Amyr Klink.
O mais bacana dessa conversa, que foi
capitaneada pela bióloga Érika Guimarães, coordenadora de áreas protegidas da
SOS Mata Atlântica e supermilitante de causas feministas, foi ver que o evento
estava cheio de mulheres jovens e questionadoras, preocupadas em garantir o
protagonismo feminino, mas também que esse protagonismo tenha diversidade racial
e social. Continuarei a abordar o tema...
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