Pular para o conteúdo principal

Ver os Yanomami através de Claudia Anjudar é exercitar a compaixão



Como uma principiante, perdi a exposição do Weiwei na Oca. Coisa de paulistana que, ao ver que uma mostra ficará bastante tempo em cartaz, vai adiando, esperando o final do trânsito do fim do ano, as férias e, quando resolve que chegou o dia, descobre que acabou.
Fiz diferente com a Claudia Andujar e fui correndo ver A Luta Yanomami, no Instituto Moreira Salles, assim que voltei do Ano Novo, mesmo que a mostra vá até 7 de abril. Aconselho a todos que façam o mesmo. Deixar para a última hora é um risco desnecessário e essa exposição merece muito ser vista. E não apenas pela beleza das fotos de Andujar e dos próprios Yanomami, que são mais do que suficientes.
Mas, em uma época de trevas, como a que vivemos neste início de 2019 (acho que é por isso que só agora, quase meados de fevereiro, consegui escrever sobre o tema), se abstrair de procurar se informar é um ato de covardia atroz. Conhecer os Yanomami sob o olhar desta grande fotógrafa e ativista, que escapou com a mãe da Europa durante a Segunda Guerra Mundial, enquanto sua família paterna, judaica, foi morta nos campos de concentração de Auschwitz e Dachau, é exercitar a compaixão e, quem sabe, entender que Direitos Humanos é uma causa de todos para todos.
Se, ao ver as fotos daquelas pessoas numeradas na Amazônia – mesmo que por conta da causa nobre de receberem tratamento médico -, você não se emocionar e lembrar das outras dos campos de concentração; ou assistir ao vídeo que é um apelo contra o extermínio desse povo e não ficar incomodadx, aconselho a visitar a mostra mais uma vez e ler todos os textos do Davi Kopenawa que acompanham boa parte das fotos expostas.
Esses textos, tenho quase certeza, foram tirados do livro A Queda do Céu – Palavras de um xamã yanomami (Companhia das Letras), no qual o antropólogo Bruce Albert transcreve praticamente literalmente as palavras de Davi Kopenawa contando sua história de iniciação ao xamanismo e como ele e seu povo viram e viveram o contato com o homem branco. É um raro relato em primeira pessoa do avanço dos brancos pela floresta e seu rastro de epidemias, violência e destruição narrado pelo lado de um índio. Poucas vezes me senti tão envergonhada de fazer parte desta ‘civilização’ brasileira quanto lendo este livro. Ver nossa cultura e valores por olhos indígenas foi uma experiência, no mínimo, triste.
Apenas um exemplo que me marcou muito (li o livro em 2015, logo que foi lançado): para os Yanomami, visitas são muito importantes. Se um visitante chega à sua casa – seja um parente, um amigo ou um branco -, receberá o melhor tratamento possível e será presenteado com o que tem de melhor. Se tiver dois colares, dará o mais bonito para sua visita, e assim por diante. Quando os pastores evangélicos começaram a chegar e se instalar próximos às aldeias (Oh! Onde será que escutamos história parecida hoje em dia!?!?!), trouxeram muitos utensílios, como panelas, por exemplo, em quantidades muito maiores do que precisavam. Os índios, encantados, pediam se podiam ficar com alguma delas e a resposta era invariavelmente não (afinal, panelas são propriedades). Alguns deles ficavam indignados – pois isso ia completamente contra sua cultura e, lembremos, estavam na terra deles – e pegavam uma panela. E, surpresa, eram acusados de ladrões. Nem vou entrar nas doenças que essa gente “de deus” levou para as aldeias, porque tenho gasto muito minhas lágrimas ultimamente.
Enfim, para quem acha que índio é um entrave ao progresso da nação, que a Amazônia está lá para dificultar a criação de gado e a mineração, e que Chico Mendes é irrelevante, visite a exposição porque o Instituto Moreira Salles é muito chique, tem um ótimo café e um restaurante descolado. E aproveita para ver a exposição Millôr: Obra Gráfica (esta, só vai até dia 24 de fevereiro). Se a visão da nossa pequenez pelos olhos do grande cartunista também não sensibilizar, melhor mesmo é procurar Jesus na goiabeira...


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Clubes de leitura: revoluções individuais a partir dos livros

Quem me conhece sabe da importância que participar de um clube de leitura tem na minha vida. Especial para mim e para as demais membras, o Círculo Feminino de Leitura-CFL, ao invés de se tornar rotina, foi ganhando maior espaço em nossas vidas ao longo do tempo e transfomou nossa maneira de ver o mundo. Por isso, ao receber da Nivia, uma de minhas companheiras de CFL, uma foto do livro Clubes de Leitura – Uma aposta nas pequenas revoluções (Solisluna Editora), de Janine Durand e Luciana Gerbovic, fiquei com coceira nos olhos e fui correndo comprar. As autoras escrevem a partir de suas experiências de mediadoras de clubes de leitura e abordam o potencial da literatura como caminho para libertação pessoal. Advocam que a literatura é um Direito Humano, mas pouco respeitado no Brasil. As duas são articuladoras do Programa Remição em Rede, que fomenta clubes de leitura em unidades prisionais para remição da pena por meio da leitura. Trazem depoimentos tocantes de pessoas transformadas pelo...

Calorão no inverno parece bom, mas não é

Lembro de acordar e sentir cheiro de orvalho, encontrar o chão do quintal e as calçadas molhadas de manhãzinha. Era assim todos os dias em São Paulo. E lembro de como odiava os dias garoentos do outono e o frio no meu aniversário, no final de julho. E de reclamar durante agosto inteiro de me levantar cedo para ir para a escola. Detestava ter que me agasalhar demais, às vezes com toca e luvas, e ainda me sentir gelada. Mas tudo isso foi há muito tempo, quando eu era criança. Já na faculdade de Geografia, aprendi com a professora Magda Lombardo o que eram as ilhas de calor e como a urbanização levou embora o orvalho e a garoa da cidade, aumentando sua temperatura. Nada que se compare, porém, com este inverno atípico que assistimos agora, sem saber se ele é apenas excepcional ou o novo normal. A questão é que, para a maior parte das pessoas, que gostam de sol e calor, este tem sido um inverno bom, e estou entre elas. É delicioso não precisar usar casacões, poder dormir, no máximo, com...

80% da água doce da Terra está na Antártica

  De todos os locais que gostaria de conhecer, mas duvido que consiga, a Antártica está no topo da lista. É muito longe, é muito caro, é muito frio. Mas é fascinante. Estou aqui embevecida com o livro Expedições Antárticas, do fotógrafo e biólogo Cesar Rodrigo dos Santos, que teve o privilégio de estar 15 vezes por lá, entre 2002 e 2017, e registrar imagens de tirar o fôlego. O livro ainda tem com o plus dos textos serem da minha amiga Silvia Marcuzzo, que conta as aventuras de Cesar, e nos traz detalhes da infraestrutura e o trabalho desenvolvido pelo Brasil no continente gelado, da geografia e da biodiversidade locais, assim como os desafios do último lugar remoto do planeta. É uma região sobre a qual tudo o que sabemos, normalmente, se resume às suas paisagens de horizontes brancos infinitos e pinguins amontoados. Mas é um território a ser muito estudado, até porque as mudanças climáticas podem modificar rapidamente o que conhecemos até agora: “O continente antártico é reple...