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Lixo de todo tipo boiando no rio Tietê, São Paulo |
Artigo publicado na Ilustríssima
do último domingo (O Brasil contra si
mesmo, FSP, 17/2), do sociólogo Zander
Navarro, defende que a complacência* é a característica que define o
brasileiro. Mesmo sem concordar com todas as afirmações do autor para
justificar sua afirmação, tendo a concordar que faz sentido. Só mesmo muita
complacência diante do poder público, das indústrias e de nós mesmos justifica –
entre tantas e tantas outras coisas – assistirmos à cena do rio Tietê
totalmente tomado por lixo (sobretudo garrafas pets) neste fim-de-semana em
Salto. Meu amigo Rodrigo Agostinho (agora deputado federal) me diz, no Facebook, que parte da sujeira chegou em
Barra Bonita e a mancha de poluição já está em Sabino.
O que, se não muita complacência, pode justificar que o
principal rio do estado mais rico do país, cujo processo de despoluição começou
há mais de 20 anos, consumindo bilhões e bilhões de investimentos, apresente
uma cena tão triste, digna do pior subdesenvolvimento no mundo? É como se todos
os governantes que passaram por aqui rissem na cara de cada um de nós e
achássemos normal.
Parece mentira que o país tenha uma Política Nacional de
Resíduos Sólidos desde 2010 (Lei nº
12.305/10) e o lixo continue a correr solto em todos os cantos
possíveis, das equinas e praças das cidades, terrenos baldios, rios e oceano.
Somos tão indiferentes a isso que o assunto sequer entra em debates nas
campanhas eleitorais (nem nas municipais). A passividade é tanta, que as
pessoas nem ficam constrangidas em atirar lixo das janelas de seus carros nas
ruas. Engravatados e madames em carrões atirando bitucas de cigarro sem nenhuma
cerimônia é uma constante (não apenas eles, mas, afinal, é a elite que
temos...). Sem contar a pasmaceira diante da imundície das ruas após qualquer
evento (está aí o Carnaval chegando para não me deixar mentir) ou das praias,
mesmo as de “bacanas”, após um dia de sol.
A questão é que,
diferentemente da poluição do ar ou mesmo dos esgotos que empesteiam nossas
águas, o lixo é visível a olho nu e, mesmo assim, conseguimos abstrair. Se isso
não incomoda, se fingimos não ver o que está na nossa cara, qual a esperança
de que as demais formas de poluição (e outros grandes problemas), que demandam
mais investimentos e mudanças estruturais, sejam algum dia enfrentadas?
Enquanto formos complacentes
com o poder público (“ele é incompetente mesmo”), com as indústrias (“afinal,
por que o capital deveria se responsabilizar pelo lixo que produziu? Pobrezinho,
teria que repassar custos para o consumidor, que pagaria mais pelos produtos,
sobretudo os produtos de primeiríssima necessidade que são vendidos dentro de
garrafas pet!”) e conosco mesmos (“o que posso fazer se não há coleta seletiva
na minha rua, ou se o horário da coleta é em um horário muito ruim, ou o que
pode significar um bituquinha de cigarro ou uma garrafinha de água a mais da
rua, quer que meu carro fique abarrotado de lixo?”) nada vai mudar.
Diante de tantas demandas, porém,
por que a sujeira literal deveria ser prioridade? Também não sei, mas deixar a
tarefa de limpar praças, ruas, rios e oceano apenas nas mãos de voluntários
abnegados, que enxugam gelo em seus finais de semana, não nos levará longe.
*Complacência, no dicionário, é a disposição
habitual para corresponder aos desejos ou gostos de outrem com a intenção de
ser-lhe agradável. Para o autor do artigo da Ilustríssima,
significa “atitude passiva de subordinação acrítica e frouxidão valorativa dos
indivíduos, em contextos variados e em todos os estratos sociais”.
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