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Tietê despejado


Notícias dão conta que a Prefeitura deu prazo até 16 de novembro para o Clube de Regatas Tietê deixar sua sede na av. Santos Dumont com Marginal Tietê. Não tenho como avaliar se a medida é justa ou não, afinal o espaço é público e o clube é privado (ou pelo menos privativo para seus sócios). Isso não impede que sinta uma tristeza profunda pelo lugar em que passei os melhores momentos de minha infância e adolescência.

Ser sócio de um clube em São Paulo é uma maneira de pertencer a uma comunidade, ter um lugar para ir quando não se tem nenhum lugar para ir. Isso era verdade absoluta para quem crescia na Zona Norte nos anos 1970, quando o único parque era o Horto Florestal (e ficava longe) e as praças eram praticamente inexistentes (aliás, não sei se a situação mudou muito, apesar do Parque da Juventude...). Tudo bem, a rua ainda era uma alternativa, mas o aumento do movimento de carros já fazia as mães preferirem os filhos em casa vendo televisão. Quem podia ‘ter’ um clube, era um privilegiado. E, na ZN daquela época, esses privilegiados frequentavam o Acre, o Esperia ou, como eu, o Tietê.

Na minha memória de menina, o Tietê era praticamente uma cidade, com suas múltiplas piscinas, quadras, vestiários, restaurantes (tudo no plural) e uma praça (a única que eu conhecia). Foi lá que aprendi a nadar, a tentar fazer ginástica olímpica, a andar de skate. Também era o lugar onde encontrava minha turma, que era a turma da piscina, em contraponto à turma do tênis, do hóquei, do basquete, do vôlei, do futebol. Ser da turma da piscina não significava ser da equipe de natação, era apenas o local onde nos encontrávamos e passávamos nosso tempo livre tomando sol e papeando.

Mesmo não praticando nenhum esporte a sério, era muito bacana saber que as possibilidades eram quase infinitas: havia lugar para praticar atletismo, jogar bocha, esgrima, judô, ginástica, boliche e até tiro. Além da escolinha que funcionava ali, tinha sempre algum campeonato movimentando o lugar. E havia as domingueiras!

Estas eram o ponto alto e encerramento obrigatório do final de semana (e motivo da maior parte dos assuntos durante o resto do tempo). Havia uma competição entre os clubes para ter a melhor domingueira e esse posto variava bastante, principalmente quando se programavam shows de cantores e bandas da moda, inclusive internacionais. Era o momento onde exibíamos nossas melhores roupas e coreografias (afinal era época de discoteca!), exaustivamente ensaiadas durante a semana. Era onde começaram e terminavam os namoros (‘ficar’ ainda não era de bom tom).

Sei pelos meus pais, que também não frequentam o Tietê há alguns anos, mas pagam a mensalidade para “ajudar”, que o clube não vai bem das pernas faz tempo. E, independentemente do resultado da pendenga judicial, ficaria feliz em saber que o espaço será bem usado. Se não com a volta das regatas ao rio que lhe deu nome e lhe foi apartado pela poluição e pela Marginal, pelo menos com uma destinação que possibilite a outros jovens utilizar equipamentos ainda tão raros na cidade dos shopping centers e das academias de ginástica fechadas, tecnológicas e sufocantes.

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