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Uma por TODAS e TODAS por uma


Cheguei ao Círculo de Confiança entre Mulheres, que chamamos carinhosamente de TODAS, por um convite via Facebook, curtido por minha amiga Rachel Añón. Vivia uma fase particularmente triste, com a situação política neste início de 2019, onde confiar era o que mais queria e menos estava conseguindo. Na reunião introdutória, fiquei sabendo da proposta e de cara percebi que muitas das mulheres ali presentes dividiam angústias parecidas com as minhas. Por isso, aceitei o convite das três facilitadoras para participar das dez reuniões quinzenais, que estão em curso.
O formato um pouco formal e regrado dos encontros me assustou no início, mas a força dessas vinte e poucas mulheres que formaram o grupo quebraram meu ceticismo de pessoa que desconfia e se sente um tanto desconfortável com tudo o que não é puramente intelectual. Hoje, aguardo ansiosa nossas reuniões.
Mulheres juntas são como flores: melhoram o mundo.

É o que fazemos lá? Em primeiro lugar, cuidamos umas das outras por algumas horinhas: levamos lanches, fazemos caixinha – para o caso de alguma precisar de ajuda para chegar ao encontro -, nos abraçamos, ouvimos e somos ouvidas, participamos – a convite das facilitadoras – de atividades lúdicas para pensar em temas que normalmente nos inquietam: amor, sexto, dinheiro, relacionamentos, trabalho.
E participamos do círculo, onde cada uma, individualmente, pode entrar e dividir alguma questão pessoal com o grupo. Pode ter ou não relação com o tema do encontro, algo que a esteja angustiando, um acontecimento do dia, um insight, uma realização. Pode ser um depoimento curtinho, de um minuto, ou algo mais complexo, que pode ser seguido – a partir do consentimento de quem está se expondo -, de uma vivência proposta pelas facilitadoras e de “espelhos” das demais participantes da roda. Esse último é uma devolutiva sem conselhos ou julgamentos. Apenas a impressão que aquela fala causou em quem quis “espelhar”.
Parece singelo, mas é muito intenso, e acredito que tem o potencial de mudar a vida de algumas das pessoas que participam. As trocas têm ficado mais profundas, à medida que nos conhecemos melhor e conseguimos alguma intimidade. Algumas somos mais participativas, outras mais tímidas, mas o envolvimento tem sido crescente.
Voltando ao que me motivou a participar – a luta incessante que tenho travado para me autoconhecer, entender minhas motivações, níveis de tolerância e decepções em série com meu país e com pessoas (algumas muito próximas) -, esse espaço tem sido um alento, uma rede de proteção contra a solidão. Minha busca me levou também para outros caminhos, que incluem terapia, aproximação com a literatura – como leitora e escritora -, e estudo, muito estudo. Tenho dito aos próximos que sou hoje uma pessoa diferente, menos otimista, mais seletiva, porém, com uma autoestima bem mais elevada. O TODAS é parte dessa mudança.

Comentários

  1. Que lindo. Muito bom fazermos parte de grupos de acolhimento assim.

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  2. Que delícia de texto Maura. Adorei a delicadeza como relatou nosso potente encontro.

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