Pular para o conteúdo principal

De volta ao mundo real


No final da semana passada, já com a perspectiva da volta para São Paulo após as férias, meus filhos começaram a demonstrar o medo de como encontraríamos a cidade. As notícias sobre a falta de água e de luz, as árvores caídas, as enchentes repentinas - sabidas através de rápidas passadas em frente à TV - começavam a tomar concretude. No centro das preocupações, questões concretas: Como a escola e a universidade funcionarão sem água? Haverá êxodo de Sampa? Será que teremos que nos mudar para a chácara? E quem não tem para onde se mudar? Há soluções para resolver a falta de água no curto prazo? A cidade de São Paulo ainda tem como se tornar viável?

Dos risos sobre distopias apocalípticas de uma cidade abandonada, com tudo em ruínas, sendo mostrada aos seus futuros filhos, a conversa migrou para a falta de condições para se pensar em algum dia ter filho. Soluções tecnológicas delirantes também foram aventadas, como inverter o curso da Henry Borden, que traria água do mar dessanilizada para a metrópole e possíveis técnicas chinesas para produzir nuvens de chuva e encher as represas. Acabamos mesmo foi pensando em formas extremas de economia de água na esfera doméstica.

De verdade, gostaria de ter uma solução bacana para propor e tirar o peso que nossos filhos certamente terão que carregar. Mas, com todos os anos que tenho trabalhando com questões ambientais, também não me preparei para esse momento. Tirando a revolta, totalmente inútil, de constatar que todos os avisos dados por cientistas, técnicos e ambientalistas que, como jornalista, ajudei a divulgar, foram solenemente ignorados ao longo de décadas, sobra apenas perplexidade diante da inércia do governo e, sobretudo, da população diante da catástrofe iminente.

Fico me lembrando da quantidade enorme de matérias que produzi, desde os anos 1980, sobre a ocupação dos mananciais de São Paulo e da tristeza que sentia a cada vez que ia fazer reportagens sobre a Guarapiranga (que também quase secou há pouco mais de uma década) e ver o local em que eu nadava quando criança (nos não tão longínquos anos 1970) ser totalmente assoreado e transformado em loteamentos clandestinos. Também dá uma enorme frustração recordar toda a luta pela preservação das matas ciliares, sobretudo na luta para fazer valer (e não flexibilizar) o Código Florestal. Sem falar nas mudanças climáticas, sobre as quais ouço falar desde os tempos de aluna na faculdade de geografia, também nos anos 1980.

Enfim, ainda acabo escutando dos meus filhos que não adianta “os ambientalistas” (leia-se toda essa gama de gente com as quais tenho me informado, trabalhado junto e acompanhado os esforços para que não chegássemos até aqui) ficarem falando “eu não disse!”, porque isso não vai resolver o problema. Pior que não vai mesmo... No entanto, as soluções que sempre foram aventadas por esses “radicais contra o desenvolvimento” (como são chamados sobretudo por políticos e empresários retrógrados – infelizmente os que detêm o poder) continuam sendo ignoradas ou tratadas como opções marginais. Bom mesmo é continuar a fazer grandes obras.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Existe vida profissional após a maternidade: só tem mais emoção

  Lembrei-me desta história conversando com uma amiga grávida preocupada com seu futuro profissional. Minha narrativa não chega a ser um alento, mas posso atestar que, apesar de aventuras como esta, é possível ser mãe e profissional! Quando me tornei mãe de gêmeas, já com um filho de três anos, achei que minha vida profissional e toda mais havia se encerrado. Mas eis que, passados três meses, voltei ao trabalho e o mundo continuou a rodar, mesmo que em sistema de adaptação. Assim que as bebês completaram dez meses, me senti pronta para a primeira viagem profissional pós-revolução. A missão era uma expedição ao Vale do Ribeira para identificar necessidades das populações ribeirinhas e quilombolas que ajudassem a direcionar a ação do Instituto Socioambiental (onde eu trabalhava) naquela região. Na equipe, uma antropóloga, um advogado e eu, a jornalista que reportaria as andanças. Em Iguape, onde estava nossa base, um biólogo se juntaria ao time. Deixei meu apartamento em um clima d

A air fryer e a ilusão capitalista

Fui apresentada à air fryer durante a pandemia. Não pessoalmente, pois me encontrava em isolamento em uma chácara, digamos, isolada, mas através das reuniões de Zoom. Era só termos uma pausa hidráulica ou nos aproximarmos da hora do almoço e alguém soltava: “chegou minha air fryer!” Dali pra frente, mesmo que estivéssemos discutindo o destino da Amazônia ou do Cerrado, de florestas, a índios, a gado, a rios, enfim, qualquer coisa mundana trivial, tudo era esquecido. As maravilhas que eram possíveis de fazer rapidamente, sem óleo, sem trabalho, apenas jogando o que quer que fosse naquela que entendi ser uma panela elétrica, tornavam-se o centro das atenções. Os rostos apáticos nas telas ganhavam vivacidade e a troca de dicas e receitas e declarações de amor ao mais importante utensílio doméstico criado desde a invenção do fogão à lenha tomavam toda a atenção. Frango à passarinho ou batata frita, legumes e arroz em minutos, forrar com papel alumínio para facilitar a limpeza, pão de que

Com os incas, aprendi que distopias acontecem

Sempre quis conhecer Machu Picchu pela incrível beleza da cidadela, mas pouco sabia do império inca, além do fato de ter se estendido por grande parte da costa oeste do continente sul-americano e ter desaparecido com a chegada dos espanhóis. Descobrir que o Peru é um país inca – ou pelo menos o estado de Cusco com certeza o é -, foi uma surpresa. Encontrei uma população preocupada em recuperar todos os aspectos de sua cultura usurpada há 500 anos pelos conquistadores europeus e rever cada pedacinho de sua história. Machu Picchu, a joia que os espanhóis não acharam. O que ouvi de guias, motoristas, vendedores, artesão, garçons e todas as pessoas com que tive contato é uma versão ainda impensável no Brasil, país onde seus habitantes originais foram praticamente exterminados e os poucos que resistiram ainda precisam lutar por seu reconhecimento e, no momento, por garantia de vida. Lá, a população majoritariamente de descendência índia tem mais facilidade em se identificar com aque