Pular para o conteúdo principal

Samyra Crespo ajuda a entender crise ambiental e sugere caminhos para seu enfrentamento

 

Devorei Conta Quem Viveu, Escreve Quem Se Atreve (Editora CRV), da Samyra Crespo cujo tema, como diz a capa, são crônicas do meio ambiente no Brasil. Mas o livro traz muito mais do que isso: destrincha a trajetória de uma mulher que transitou pela academia, organizações da sociedade civil e governo, estudou, atuou e tenta entender a complexidade da crise ambiental e climática que vivenciamos.


Samyra faz o que se propôs, se atreve a contar sob sua perspectiva a aventura do ambientalismo no país. E o faz bem e gostosamente. É uma delícia acompanhar, na primeira parte do relato, como sua trajetória pessoal – de mulher de classe média intelectual, que vivenciou talvez o melhor momento da Igreja Católica (cheguei a pegar a rabeira desse processo) –, a levou a se aproximar das questões relacionadas à ecologia e ao meio ambiente, a ponto de transformar a experiência em sua principal ideologia e militância.

Para quem faz parte da ainda reduzida bolha que abraça e trabalha de verdade por essa causa, é um verdadeiro revival de uma história que parecia caminhar inexoravelmente, apesar das dificuldades, para um final feliz: o empoderamento da sociedade civil, a aproximação entre as militâncias ambientais e sociais, o surgimento das ONGs e do movimento socioambiental, o maior entendimento da ecologia pela Ciência, a criação das leis e da burocracia ambiental em todos os níveis de governo no Brasil e no mundo, a realização de grande eventos e pactos globais para dar rumo à rota desenfreada da humanidade e a conscientização da população.

O monitoramento desta última parte, aliás, é uma das grandes colaborações de Samyra Crespo para a área. A série de pesquisas coordenada por ela, O que o Brasileiro Pensa do Meio Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável, com cinco edições em 20 anos, é uma importante referência sobre a evolução do tema no imaginário da população. Lembro de aguardar e cobrir o lançamento de várias edições da pesquisa e me encantar com a assertividade e otimismo daquela pesquisadora bonita que o apresentava.

Aos que não são da “turma” do ambientalismo e ainda não conhecem (ou conhecem pouco) Samyra Crespo, sua trajetória é uma inspiração: pesquisadora em História da Ciência no Museu de Astronomia e Ciências Afins, do Ministério de Ciência e Tecnologia, atuou e dirigiu por vários anos o Instituto de Estudos da Religião (Iser), foi secretária de articulação do Ministério do Meio Ambiente e presidente do Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Hoje totalmente dedicada a seu ativismo, milita nas redes sociais e escreve para sites independentes.

Aos que estão um tanto apavorados com os 2.000 campos de futebol por dia desmatados na Amazônia (18 árvores por segundo) e com os 40ºC de calor em Londres, a leitura da segunda parte do livro pode ajudar a entender conceitos, riscos e oportunidades para mudar a situação – ou, como diria Ailton Krenak, adiar o fim do mundo. Samyra consegue trazer, sem usar óculos cor de rosa, um pouco de otimismo e motivação para a luta. Na entrevista que me deu para o Mulheres Ativistas (no Conexão Planeta), em fevereiro de 2020, também fez uma conclamação ainda mais oportuna para os dias atuais: “Ambientalistas precisam ‘sair da bolha’ e se candidatar às eleições”. Estamos precisando muito!

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Saneamento adaptado às mudanças do clima é chave para bem viver

  Pensar em adaptação do saneamento básico às mudanças climáticas, em uma semana de sol em São Paulo às vésperas do Carnaval, parece uma péssima ideia. Ninguém quer se lembrar de problemas relacionados a chuvas ou falta de chuvas, que, no caso da cidade, remete a inverno. Mas, talvez, justamente por estarmos fora da emergência, seja o melhor momento. Ainda mais porque a maior parte das adaptações necessárias também pode minimizar esse calor em ondas cada vez mais fortes. Em “Adaptação e Saneamento - Por um setor resiliente às mudanças climáticas" , publicação recém-lançada pelo Instituto Água e Saneamento (IAS), da qual participei, mostramos por que a adaptação dessa área é fundamental para garantir o bem viver nas cidades. Sem uma drenagem pensada para a nova realidade, ficaremos sem mobilidade – a parte mais visível da equação -, mas também sem abastecimento de água, sem tratamento adequado de esgotos, sem habitações de qualidade e com sérios problemas de saúde pública. Na pesqu...

Há uma conspiração contra todos nós

 Quem estiver interessado em saber por que Jeff Bezos, Mark Zuckerberg e companhia estão todos faceiros lambendo as botas de Donald Trump assista ao documentário Conspiração Consumista, de Nic Stacey, na Netflix. O título original em inglês, ainda traz um complemento mais explicativo: Buy Now! (compre agora), retirado na versão em português. O filme mostra como as grandes corporações contam com a tecnologia/redes sociais para fazer com que as pessoas consumam cada vez mais, sem nem pensar no assunto. Para isso, usam estratégias sofisticadas para esconder informações e mentir descaradamente para que as pessoas ajam contra seus próprios interesses e ainda achem que as empresas se preocupam com seu bem-estar.  O diferencial deste documentário é trazer depoimentos de pessoas com altos cargos dentro dessas corporações, como Amazon e Adidas, que colaboraram para a criação destas estratégias e hoje lutam contra elas, por perceberem o quão insustentáveis são. Ver imagens de produtos d...

Eventos Extremos, o show

  Enquanto a cidade de São Paulo passava por mais um dia de caos por conta das chuvas na última terça-feira (18/2), uma turma muito animada se reunia na Casa das Caldeiras no final de mais um dia de trabalho de avaliação e discussão justamente sobre as mudanças climáticas. Esse pessoal faz parte do Observatório do Clima, uma rede de organizações de todo o Brasil que trabalha para reduzir as emissões de carbono, minimizar seus efeitos deletérios, divulgar a enrascada em que nos metemos ao não levar a ciência a sério e tentar mudar o rumo dos acontecimentos enquanto é tempo. Quando cheguei lá, no final da tarde, para encontrar alguns desses meus amigos-heróis, ainda não sabíamos que mais uma pessoa (desta vez uma motorista de aplicativo) tinha perdido a vida em uma enchente, nem de todos os estragos na Zona Norte da capital paulista. Aliás, na Zona Oeste, a chuva nem tinha dados as caras ainda. Com todos os motivos para entrar em desespero, essa turma, como eu disse, é muito animada,...