Pular para o conteúdo principal

Sobre a praia e o lixo, ou os restos que deixamos e o mar devolve

 

Minha pior experiência com lixo oceânico foi na Grécia, há uns sete anos. Havia chegado a Istambul um dia antes e embarcado em um iate para uma viagem de dez dias pelas ilhas turcas e gregas na qual até hoje não sei como caí e o que estava fazendo lá, mas isso é outra história. Após uma noite a bordo, acordamos em território grego e de frente para duas ilhas paradisíacas, uma cheia de casinhas brancas e restaurantes caros da nossa imaginação e outra que parecia um recando verde esquecido do mundo – a segunda parte da frase é verdadeira.

Como ficaríamos um dia inteiro no local, escolhemos ir primeiro ao destino natural, para o que parecia ser uma praia virgem, que sabemos não existir, mas fantasiar não custa nada. Conforme o bote se aproximada da praia, porém, brilhos e cores difusas começaram a aparecer e a nos intrigar. À medida que chegávamos mais perto, percebemos que se tratava de um depósito de lixo cuspido pelo mar que tomava todo o espaço, desde uns três metros dentro d’água, adentrando por toda a areia e se infiltrando na vegetação que vinha depois. Eram zilhões de pets, canudos, sacolas, latinhas, garrafas e tudo mais que podemos imaginar que não tem vontade de se decompor.

Não faço ideia de quanto tempo aquele templo à imundície humana levou para ser formado, mas imagino que o governo local se preocupe em manter limpas e cheirosas apenas as ilhas onde os turistas possam gastar euros. Ficamos um tempão explorando o local e sentindo na pele o que os catadores sentem nos lixões aqui da terrinha, porque o barqueiro, acredito que de propósito, nos deixou por lá um tempão – quem, em sã consciência, trabalha em um iate e não odeia seus passageiros?

Na hora, achei que era prenúncio de uma viagem fracassada, mas me enganei. Nada do que vi depois passou perto desse local de trevas, embora, para garantir, tenha me enquadrado e não arrisquei mais nada fora do recomendado. O trauma, no entanto, ficou.

O mar não tolera desaforo: devolve toda a sujeira recebida.


Desde então, quando ando na praia, qualquer praia, meus olhos acabaram treinados a enxergar plásticos, vidros e latas antes de se deterem na primeira conchinha ou siri perdidos na areia. A “chata do rolê” que eu já era, piorou, e fico vigiando quem está comigo para não deixar vestígios fora da lata do lixo, além de carregar pelo menos um canudinho de metal, para não ter que abrir mão da minha água de coco a beira mar.

Não me tornei a louca do lixo, até porque acredito que mereça relaxar um pouco quando estou na praia. Há quase um mês neste quase paraíso perdido que é São Miguel do Milagres, já vi dois casais que carregam sacolas e vão andando pela praia recolhendo a sujeira dos outros. Não chego a tanto, mas nunca volto de uma caminhada sem recolher uma ou duas garrafas pet e, quando tenho bolsos, alguns canudinhos e tampinhas de cerveja. É um vício difícil de controlar. Há poucos dias, meu marido, o qual suspeito tinha certa vergonha secreta de mim, começou a fazer o mesmo. Ainda acho que não há salvação para nossa espécie, mas alguns indivíduos possivelmente terão acento no paraíso.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Saneamento adaptado às mudanças do clima é chave para bem viver

  Pensar em adaptação do saneamento básico às mudanças climáticas, em uma semana de sol em São Paulo às vésperas do Carnaval, parece uma péssima ideia. Ninguém quer se lembrar de problemas relacionados a chuvas ou falta de chuvas, que, no caso da cidade, remete a inverno. Mas, talvez, justamente por estarmos fora da emergência, seja o melhor momento. Ainda mais porque a maior parte das adaptações necessárias também pode minimizar esse calor em ondas cada vez mais fortes. Em “Adaptação e Saneamento - Por um setor resiliente às mudanças climáticas" , publicação recém-lançada pelo Instituto Água e Saneamento (IAS), da qual participei, mostramos por que a adaptação dessa área é fundamental para garantir o bem viver nas cidades. Sem uma drenagem pensada para a nova realidade, ficaremos sem mobilidade – a parte mais visível da equação -, mas também sem abastecimento de água, sem tratamento adequado de esgotos, sem habitações de qualidade e com sérios problemas de saúde pública. Na pesqu...

Há uma conspiração contra todos nós

 Quem estiver interessado em saber por que Jeff Bezos, Mark Zuckerberg e companhia estão todos faceiros lambendo as botas de Donald Trump assista ao documentário Conspiração Consumista, de Nic Stacey, na Netflix. O título original em inglês, ainda traz um complemento mais explicativo: Buy Now! (compre agora), retirado na versão em português. O filme mostra como as grandes corporações contam com a tecnologia/redes sociais para fazer com que as pessoas consumam cada vez mais, sem nem pensar no assunto. Para isso, usam estratégias sofisticadas para esconder informações e mentir descaradamente para que as pessoas ajam contra seus próprios interesses e ainda achem que as empresas se preocupam com seu bem-estar.  O diferencial deste documentário é trazer depoimentos de pessoas com altos cargos dentro dessas corporações, como Amazon e Adidas, que colaboraram para a criação destas estratégias e hoje lutam contra elas, por perceberem o quão insustentáveis são. Ver imagens de produtos d...

Eventos Extremos, o show

  Enquanto a cidade de São Paulo passava por mais um dia de caos por conta das chuvas na última terça-feira (18/2), uma turma muito animada se reunia na Casa das Caldeiras no final de mais um dia de trabalho de avaliação e discussão justamente sobre as mudanças climáticas. Esse pessoal faz parte do Observatório do Clima, uma rede de organizações de todo o Brasil que trabalha para reduzir as emissões de carbono, minimizar seus efeitos deletérios, divulgar a enrascada em que nos metemos ao não levar a ciência a sério e tentar mudar o rumo dos acontecimentos enquanto é tempo. Quando cheguei lá, no final da tarde, para encontrar alguns desses meus amigos-heróis, ainda não sabíamos que mais uma pessoa (desta vez uma motorista de aplicativo) tinha perdido a vida em uma enchente, nem de todos os estragos na Zona Norte da capital paulista. Aliás, na Zona Oeste, a chuva nem tinha dados as caras ainda. Com todos os motivos para entrar em desespero, essa turma, como eu disse, é muito animada,...