Morar em uma casa simples, térrea, de frente para uma pracinha de verdade, daquelas com bancos de concreto e crianças brincando de esconde-esconde, senhoras que conversam ou só veem o tempo passar e casais de namorados que aproveitam o escurinho depois que o sol se põe. Assistir a tudo isso de uma varanda, com jardim e muro baixo, de onde também é possível entrever o mar. Fazer deste terraço o escritório de trabalho, no qual se esquece computador e celular do lado de fora enquanto vai almoçar e não lembrar que seria melhor levar para dentro. Sem falar do clima ensolarado e quente na medida, que fica sempre entre 24 e 29 graus.
Tudo isso me foi concedido. Por um mês. Graças ao Airbnb,
ao Google Earth, à internet, ao home office e algumas economias. Claro que a
chegada à Casa Azul – sim, a casinha tem nome e é só mencioná-lo e todos por
aqui sabem onde estou hospedada – em Porto da Rua, São Miguel dos Milagres,
Alagoas, não foi sem algum susto. Como boa paulistana, vinda de uma cultura
onde um apartamento de pouco mais de 90 metros quadrados é construído com
quatro banheiros, entrei em choque ao verificar que aqui tinha apenas um. E que
as paredes internas não chegam até o teto, que, por sua vez não tem forro. A
imagem de filho, filhas e amigas, que viriam passar algum tempo conosco,
disputando banheiro e sem privacidade me paralisaram por alguns minutos.
Já na primeira noite, acordamos eu e meu marido/companheiro
de aventura com o barulho de uma grande chuva e descobrimos que os respingos
que sentimos não vinham da janela aberta, mas do telhado. Sentamos cama, nos
olhamos e tivemos uma crise de riso há muito represada, e voltamos a dormir
refrescados com o chuvisco particular que durou uns dez minutos, se tanto.
Em dois dias, a Casa Azul era nosso lar e seu frescor,
trazido justamente pela falta de laje e fechamento total das paredes, motivo de
admiração. Dividir o inquilinato com os gatos, do lado de fora, e com rãs e
sapos, que não respeitam muito limites, mas comem os mosquitos, também se
tornou normal. Acordar uma manhã com a cabeça de um sagui nos olhando por uma
fresta entre telhado e parede também não causou mais do que um “chispa daí” do
meu marido, que o visitante, por incrível que pareça, obedeceu.
Fora isso, tocamos a vida, cumprimentando os vizinhos, que
são também os pescadores e barqueiros que encontramos na praia de manhãzinha –
bem de manhãzinha, porque aqui 5 horas já tem um sol pra cada um -, quando
fazemos nossa caminhada e depois lá pelas 5 da tarde, quando vamos dar um
mergulho e esperar o por do sol. São também os donos e funcionários dos
mercadinhos, restaurantes e pousadas do lugarejo, muitos deles aparentados, que
encontramos em todos os lugares que vamos, exercendo funções diferentes. Lica,
que cuida da casa que alugamos, também trabalha no posto de saúde na rua ao
lado e mora naquela mesma rua, onde à noite senta na calçada com os amigos para
papear, em frente a um dos restaurantes que frequentamos e cujo garçom, que
também cuida da agência de passeios do larguinho em frente à praia, é seu
sobrinho. Aqui é assim.
À medida que a pandemia arrefece, vemos as máscaras
rarearam nas ruas e praticamente desaparecerem das praias, mas continuam na
maior parte dos rostos de quem atende público em todos os estabelecimentos.
Neste estado, um dos que menos votaram no inominável, também a pandemia foi um
pouquinho menos cruel (para mim a relação é direta). Todos com quem falei estão
aliviados com a vacina e com expectativas de que o próximo verão seja
alvissareiro e compense os tempos sinistros sem os turistas que os sustentam. E
eu agradeço o privilégio de estar aqui, penso sobre quais consequências dessa
experiência ficarão na minha vida e faço contagem regressiva para a volta à
rotina na metrópole que me criou e me tem cativa, por enquanto.
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