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Cidade de São Paulo aprova política de segurança hídrica


O momento político é tão desalentador que, quando temos uma boa notícia, dá até medo de comentar e alguém da turma dos neoempoderados da brigada do “vamos acabar com tudo que há de civilizado no país” se entusiasmar e pegar mais uma causa para detonar. Ainda mais na Semana do Meio Ambiente – por isso vamos nos benzer antes. Mas o fato é que, na última sexta-feira (31/5), a prefeitura de São Paulo sancionou a lei que institui a Política Municipal de Segurança Hídrica.
Rio Pinheiros, aquele eternamente na fila de despoluição.
Tudo bem que é, ainda, apenas um documento, mas sinaliza em uma direção de avanço significativo. E é resultado de uma iniciativa da sociedade: a campanha Vote pela Água, da Aliança da Água, lançada durante a eleição municipal de 2016. Para quem não sabe ou não se lembra, a Aliança foi formada durante a crise da água de 2014, quando a cidade de São Paulo quase entrou em colapso de abastecimento por conta da seca severa, que praticamente zerou a capacidade de armazenamento do Sistema Cantareira, principal manancial da metrópole.
Na época, um grupo de organizações e pessoas se juntou para tentar encontrar alternativas e mobilizar a população para a importância de se adotar uma postura de cuidado com água de forma sistêmica e integrada, capaz de garantir proteção à população sobretudo em situações extremas, de secas e enchentes, que têm se tornado cada vez mais constantes com a mudança do clima. Apenas um parênteses: mudar os “termostatos” de lugar não está entre as medidas sugeridas.
A capacidade de engajamento da Aliança da Água, que somou iniciativas de inúmeras entidades associadas a ela, foi fundamental para que São Paulo enfrentasse o perigo iminente e seu sucesso garantiu a continuidade da mobilização. Um de seus resultados foi uma proposta de projeto de lei que embute um conceito, relativamente novo, de segurança hídrica. O uso desse termo vem crescendo nos últimos anos, impulsionado, entre outros fatores, pela declaração da ONU, em 2010, do acesso à água e ao saneamento como direito humano.
A conceito de segurança hídrica, presente na nova lei, compreende três dimensões que devem ser pensadas na gestão da água: social (direito à água e ao saneamento); econômico (uso de bem comum, insumo para atividades econômicas); ambiental (limites naturais, esgotamento de recursos, eventos climáticos extremos e menos previsibilidade).
À administração municipal, ainda podemos dar o crédito de ter acrescendo à proposta da Aliança a criação de uma instância específica para tratar as questões que têm relação com a água, o que será fundamental na integração das políticas e ações relacionadas ao tema. Além disso, a lei prevê maior participação do município na gestão e planejamento dos serviços de saneamento (água, esgoto, drenagem e resíduos) e a construção, de forma participativa, de indicadores de segurança hídrica. Um dos resultados práticos que podem vir da nova legislação é São Paulo, a cidade, liderar o processo de recuperação do Rio Pinheiros, que está quase inteiro dentro do município.
Importante salientar que essa é uma política inédita, que poderá inspirar outras cidades a fazer o mesmo. À sociedade mobilizada, cabe agora cobrar e participar da regulamentação da lei e da sua implantação.

Comentários

  1. Aplausos pela iniciativa das organizações da sociedade civil em propor esse projeto de lei. Muito bom!

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  2. Importante vitória da ALIANÇA DA ÁGUA, em sua campanha Vote pela Água, mostrando que, uma boa e séria campanha ainda sensibiliza a sociedade e resulta em bons frutos! Parabéns a todos que contribuíram para aprovação da Lei e vamos ficar atentos para que seja efetivamente colocada em prática pela administração municipal paulistana e não somente aprovada e engavetada como as Leis sobre os destinos finais dos resíduos sólidos, uma vergonha para todos nós!

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