Fui apresentada à air fryer durante
a pandemia. Não pessoalmente, pois me encontrava em isolamento em uma chácara,
digamos, isolada, mas através das reuniões de Zoom. Era só termos uma pausa
hidráulica ou nos aproximarmos da hora do almoço e alguém soltava: “chegou
minha air fryer!” Dali pra frente, mesmo que estivéssemos discutindo o destino da
Amazônia ou do Cerrado, de florestas, a índios, a gado, a rios, enfim, qualquer
coisa mundana trivial, tudo era esquecido. As maravilhas que eram possíveis de
fazer rapidamente, sem óleo, sem trabalho, apenas jogando o que quer que fosse
naquela que entendi ser uma panela elétrica, tornavam-se o centro das atenções.
Os rostos apáticos
nas telas ganhavam vivacidade e a troca de dicas e receitas e declarações de
amor ao mais importante utensílio doméstico criado desde a invenção do fogão à
lenha tomavam toda a atenção. Frango à passarinho ou batata frita, legumes e
arroz em minutos, forrar com papel alumínio para facilitar a limpeza, pão de
queijo ou coxinha rapidinhos para o lanche: aprendi que tudo fica bom e mais
saudável na air fryer.
Trancafiada em um
lugar onde precisava rotear o 4G do celular para o computador para poder
trabalhar e aonde não chegava correio, proibida de sair de casa pela filharada,
que ia apenas uma vez por semana à cidade para comprar o que tivesse no
supermercado local, eu me fazia de samambaia para não ser notada e ninguém ver
minha cara de inveja. Nesses momentos, ir até à horta um pouco antes do almoço colher
o que tinha de fresco para a próxima refeição deixava de ser um antigo sonho e
se tornava um enorme fardo sem nenhuma tecnologia.
Passada a fase hard
do isolamento, ainda antes das vacinas ou de luz no fim do túnel da pandemia,
os filhos resolveram que, se era para morrer, não seria naquele fim de mundo, e
começaram a passar temporadas em São Paulo, mesmo que fechados no apartamento.
Quando nossa fiel escudeira Érika ficou sabendo disso, me ligou e disse que não
achava “justo” estarmos os cinco trabalhando (eu, meu marido e os três filhos)
e ela “sem fazer nada em casa”. Se ofereceu para preparar marmitas e deixar na
portaria do prédio para que quem estivesse por lá trouxesse para a chácara cardápios
completos para a semana.
Fizemos uma reunião
de família e chegamos à conclusão, com a consciência de classe tranquila, que
não tínhamos argumentos para rebater a oferta. Não aguentávamos mais o cardápio
limitado e as eternas discussões sobre o excesso de louça na pia entre
reuniões, lives e aulas on-line. Ela tinha um cartão de crédito funcional para
os gastos e, felizmente, um carro para poder fazer a entrega sem grandes
riscos. A vida ficou tão mais fácil que até a depressão geral familiar diminuiu.
Me sentia tão aliviada que continuei a me fazer de desentendida nos momentos
air fryer entre colegas por vergonha de contar meu privilégio e estragar o
entusiasmo geral.
Com a redução da
pandemia, após as vacinas, a vida foi, aos poucos, voltando ao normal.
Retornamos de vez ao nosso apartamento em São Paulo e, pouco depois, à mordomia
de ter a comida da Érika feita diariamente em casa. Esqueci da existência da
air fryer ao mesmo tempo que ela deixou de ser o centro das atenções do home
office forçado.
Até que, não sei se
por terem sido obrigados a ficar trancados com os pais tanto tempo ou porque já
estava na hora mesmo, meus filhos, em um curto período, saíram todos de casa.
E, de repente, nos jantares em que nos reunimos, quem voltou a ser assunto? Ela
mesma, a air fryer. As expressões maravilhadas que via na tela durante a
pandemia, passei a encarar na minha própria mesa, com conselhos “de filhos pra
mãe” de que preciso ter uma.
Foi nesse momento
que meu banco entrou na história. Por meu banco, entenda o banco em que tenho
conta, naturalmente, pois se tivesse um banco, não me preocuparia com panelas
elétricas ou de qualquer outra natureza. Enfim, meu banco passou a enviar
mensagens diárias por e-mail, às vezes mais de uma por dia, de ofertas em sua
loja on-line. Insatisfeito de apenas guardar e emprestar dinheiro, resolveu
também vender produtos e me avisava que eu tinha muitos pontos, ganhos por
gastar dinheiro via cartão de crédito, para resgatar em produtos diversos. Mas
que esses pontos venceriam se não os utilizasse e, nas entrelinhas, que eu era
uma trouxa por não aproveitar a oportunidade.
Tive, então, a
grande ideia de resolver duas questões de uma vez: gastar meus pontos e,
finalmente, adquirir uma air fryer. Escolhi a mais cara que meus pontos podiam
comprar. Fiquei tão feliz que saí pela casa contando pra todo mundo: meu
marido, a filha que veio para o almoço e a Érika. Fizemos planos para novos
cardápios crocantes e menos calóricos. Voltaria a comer batatinha frita!
A alegria só durou
até voltar à minha escrivaninha e ler um e-mail do banco avisando que a compra
não foi efetivada por problemas técnicos. A frustração foi enorme, mas deixei
para tentar novamente em outra hora, pois havia outras coisas quase tão
urgentes para fazer. Me esqueci do caso por alguns dias até me deparar com a conta
do cartão de crédito e ver que os quase 400 reais da air fryer foram cobrados
na fatura.
Desde então, meu
sonho de consumo e minha confiança no banco se liquefizeram. Passado mais de um
mês, várias trocas de e-mails e ligações com o gerente do banco, uma visita à
agência, duas calls com o gerente e a equipe do cartão de crédito, tudo o que
consegui foi uma promessa remota de que “estão avaliando o caso” e que, “se
tudo der certo”, podem me estornar o valor em até dois meses. Balanço até o
momento: continuo com meus pontos, estou quase 400 reais mais pobre e sem uma
air fryer para chamar de minha.
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