Sempre que alguma notícia ruim era divulgada sobre
políticas públicas ou qualquer coisa relacionada a governos de qualquer
instância, meu desgosto imediatamente se dirigia para os políticos e gestores,
traidores da confiança neles depositada. Quando se tratava de uma gestão na
qual apostei – ou seja, pessoas e partidos em que votei – ficava ainda mais
furiosa. Desde que o atual presidente foi eleito, porém, esse sentimento mudou
radicalmente. Minha indignação, que tem se transformado em raiva, recai para
seus eleitores e tenho que me esforçar para não incluir os que lavaram as mãos
no mesmo caldo.
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Aplico esse mesmo princípio ao caso de Jair Bolsonaro e
seus eleitores. Ele sempre me pareceu bastante honesto em suas intenções, não
disfarçou ou escamoteou o que pensava. Sua campanha foi totalmente coerente com
sua história e suas prioridades muito bem delineadas.
Em uma pesquisa rápida no Google - que fiz quando percebi
que aquele deputado obscuro, que só conhecia por tentar dar carteirada ao ser
pego de sunga branca pescando em área de proteção ambiental, crescia nas pesquisas
-, o assisti (de própria voz) dizer orgulhosamente ter sido o único parlamentar
a votar contra os direitos trabalhistas de domésticas; que não estupraria uma
mulher porque ela era feia e não merecia; defender as milícias, mesmo sabendo
que são ilegais; falar a uma mulher negra que um filho seu não se casaria com
uma mulher negra por questões morais; afirmar que preferia ter um filho ladrão
ou morto a um filho gay; que negros quilombolas não serviam nem para procriar;
que acabaria com todo o ativismo no país; e que a ditadura militar no Brasil
foi branda e que deveria ter matado uns 30 mil.
Havia muito mais, mas isso foi o suficiente para eu ficar
profundamente deprimida. E não por ele ser quem é. Acreditava que indivíduos
assim eram sociopatas minoritários e que sozinhos não ofereciam tanto risco. Meu
desgosto foi, pela primeira vez, ouvir pessoas próximas dizerem que votariam
nele mesmo assim, com o argumento de que não eram questões importantes como a
economia, por exemplo, ou, cinicamente, afirmarem que ele não cumpriria o que
prometia. Vi pessoas com o mesmo nível intelectual e social que eu votarem em
alguém que afirmava existir mamadeira de piroca.
A vitória desse candidato e a entrada de sua trupe bizarra
de filhos e ministros na direção do país e tudo que se seguiu foram minando
minha fé na humanidade dia após dia desde então. Acredito na existência de
pessoas ingênuas e sem acesso a informações que caíram na lorota anticorrupção
– já tínhamos tido um Collor, não sou cretina e sei como isso acontece. Mas
seria um insulto pensar que as pessoas que conheço e que ainda defendem esse
governo ou se fazem de sonsas – não conheço nenhuma arrependida – se enquadrem
nessas categorias. Penso que, de alguma forma, se identificam com essas ética e
moral tortas ou são tão egoístas, que estão se lixando para qualquer coisa que
não seja elas mesmas, seus dinheiros e privilégios.
Me tornei uma pessoa pior, porque intransigente. Tinha
convicção de que nunca seria a maquinista do trem para Auschwitz, mas algo me dizia
que aquele condutor poderia estar sendo sincero quando argumentou apenas cumprir
ordens. Não consigo mais banalizar o mal. Sei que não trago toda a bondade e
suporto um bom tanto de hipocrisia em mim e no outro. Não somos perfeitos,
pensamos e temos histórias de vida diferentes. E há momentos, como esta
pandemia, que nos põem à prova como comunidade humana e torna difícil julgar as
necessidades de cada um. Mas há um limite, que foi transposto no Brasil de
maneira vil. E não sei se, e como, podemos sair desse atoleiro.
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