Assédio e redação de jornal para mim sempre soaram como
quase sinônimos, sobretudo no meu início de carreira, entre o final dos anos
1980 e início dos 1990. Tive chefe que nunca me convidou para sentar ao falar
comigo em sua sala (e eu entrava lá várias vezes por dia) e, quando queria me
dar bronca, perguntava se meu marido não estava comprando comida (deve ser
porque sabia que me pagava uma miséria...). Um outro trocou a mesa baixa dos
repórteres com a mais alta dos diagramadores, apenas com a intensão de humilhar
a redação. Os diagramadores devem ter tido todos dores nas costas, enquanto os
repórteres trabalhavam com listas telefônicas sobre as cadeiras como se fossem
almofadas para conseguir alcançar as máquinas de escrever (sim, você entendeu bem, eram
máquinas de escrever, sou velha).
Houve também chefes (vários) que, quando eu saía no meu
horário – o que era raro, pois o normal era ficar pelo menos uma hora a mais -,
olhavam ostensivamente no relógio antes de me dar boa tarde. Um deles tinha os
costume de, quando ligava para a casa de algum repórter para passar a pauta,
perguntar o que ele estava fazendo. Na verdade, só sei que fez isso comigo e com
colegas minhas, não sei se fazia com homens também. Tinha uma delas que ouvia
isso praticamente todas as noites. Eu sempre a aconselhava a dizer que estava
trepando com o marido, mas ela era fina e nunca aceitou a sugestão. Além de uma
chefe (mulher e feminista) que, na véspera de minhas férias, me chamou para
dizer que não havia assinado a autorização porque estava com “ódio” (isso
mesmo!) de mim. Felizmente, chefes intermediários (entre a big boss e eu) intercederam por mim e não precisei abandonar o
emprego, já que da minha viagem eu não abriria mão.
Tinha uns 25 anos, porém, quando enfrentei meu caso explícito
de assédio sexual. Trabalhava em um jornal semanal e, durante uma viagem de
trabalho com um grupo de jornalistas, conheci um editor do jornal que sempre
sonhei em trabalhar – detalhe importante: ele levou a esposa na viagem. Ficamos
amigos, ele me elogiou muito. De volta, me ligou e pediu que eu encaminhasse
meu currículo, o que fiz imediatamente, explodindo de felicidade. Eis que,
depois de alguns dias, ele me liga e diz que tinha outra viagem para fazer, que
era um final de semana e que seria muito legal se eu fosse com ele para
discutirmos minha contratação. Fiquei em estado de choque e só consegui
responder que estava fora de cogitação. Desnecessário dizer que nunca mais ouvi
falar no sujeito.
Me senti um lixo. Pensava que eu devia ser uma péssima
profissional, que só era vista por ser uma garota bonitinha. No meu primeiro
trabalho, ainda não como jornalista (mas coincidentemente na mesma empresa
desse editor), o big boss da vez, ao
me contratar, disse que o local ficaria muito mais bonito comigo lá – saí
da sala muito infeliz, pois esperava que ficasse muito mais eficiente...
Tenho certeza que há mulheres muito fortes e seguras que
não se deixam intimidar por essas coisas. Além esperar – desesperadamente – que
aconteçam muito menos. No meu caso, não tenho como dizer se e quanto isso influenciou na minha própria vida e carreira.
Essas lembranças vieram à minha cabeça enquanto assistia
ao filme O Escândalo (de Jay Roach),
sobre os casos de assédio sexual na Fox
News. O incômodo era ainda maior porque as mulheres assediadas do filme (as
atrizes Charlize Theron, Nicole Kidman e Margot
Robbie, incríveis nos papéis) nem eram o que considero pessoas legais, mas
umas reacionárias e carreiristas de primeira. Aliás, sororidade é o que não
vemos entre as mulheres no filme, o que dificulta, no primeiro momento, a
empatia por elas. Mas, conforme acompanhamos seus dramas e as escrotices às quais são submetidas,
vamos percebendo que são pequenas as chances femininas de ascensão sem, no
mínimo, um pouco de cumplicidade com o sistema. Foi um filme doloroso de ver.
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