Sempre quis conhecer Machu Picchu pela incrível beleza da
cidadela, mas pouco sabia do império inca, além do fato de ter se estendido por
grande parte da costa oeste do continente sul-americano e ter desaparecido com
a chegada dos espanhóis. Descobrir que o Peru é um país inca – ou pelo menos o
estado de Cusco com certeza o é -, foi uma surpresa. Encontrei uma população
preocupada em recuperar todos os aspectos de sua cultura usurpada há 500 anos
pelos conquistadores europeus e rever cada pedacinho de sua história.
Machu Picchu, a joia que os espanhóis não acharam. |
O que ouvi de guias, motoristas, vendedores, artesão,
garçons e todas as pessoas com que tive contato é uma versão ainda impensável
no Brasil, país onde seus habitantes originais foram praticamente exterminados
e os poucos que resistiram ainda precisam lutar por seu reconhecimento e, no
momento, por garantia de vida. Lá, a população majoritariamente de descendência
índia tem mais facilidade em se identificar com aquela terra e enxergar os
efeitos da colonização.
No Peru, cada ruína encontrada – algumas recentemente – e
seus diversos museus vêm escancarando uma civilização milenar, formada por uma
sucessão de povos nativos, que foi se aperfeiçoando ao longo do tempo, a partir
de tecnologia e beleza, e chegou ao auge justamente cerca de 200 anos antes dos
espanhóis aportarem por lá, com o domínio inca. Nesse curto espaço de tempo,
construíram cidades lindas e funcionais, cortaram o império de estradas,
desenvolveram uma agricultura poderosa. Mais da metade do que comemos hoje vem
de lá. Aliás, sem as plantas domesticadas e desenvolvidas pelos povos
americanos, não teríamos tido revolução industrial.
A grande pergunta, cuja resposta é cheia de versões, é
como esse povo, que contava na época da invasão com uma população de 12 milhões
de pessoas, foi tão facilmente subjugado por um punhado de espanhóis selvagens
atrás principalmente de metais preciosos? Colaborou para isso o fato de, na
época, o imperador anterior ter dividido o império em dois para contemplar seus
dois filhos. Como um deles não se conformou, estavam em uma guerra fraticida e
não deram muita bola, em um primeiro momento, para os estranhos que chegaram.
Como ouro e prata não tinham valor econômico para os incas, não identificaram
perigo no interesse excessivo dos visitantes por ele.
Também não tinham o costume, pelo que percebi, de destruir
a cultura dos povos que conquistavam, mas agregá-las. Por isso não esperavam
que os recém-chegados quisessem exterminar tudo o que construíram. Some-se a
isso o fato dos espanhóis terem armas de fogo, cavalos e terem passado 400 anos
desenvolvendo estratégias para expulsar seus invasores locais (os árabes) e de
terem desembarcado com uma miríade de doenças nunca vistas no novo continente, e
começamos a ter uma ideia do que aconteceu.
O que me ficou dessa história ainda por ser totalmente
desvendada é que a humanidade não anda para frente e o que se tem pode ser
perdido em um piscar de olhos e, às vezes, sem muita explicação. Para ajudar,
levei para ler na viagem, inadvertidamente, o romance Senhor das Moscas, de William Golding. Nele, um avião com um bando
de meninos ingleses, entre os seis e os doze anos, que estava sendo levado não
se sabe para onde durante a Segunda Guerra, cai em uma ilha tropical e eles
ficam ali por sua própria conta (possivelmente, o piloto morreu).
A partir daí, o autor mostra como, em um período que deve
ter sido de alguns meses, eles vão da colaboração inicial, para disputas de
poder até cair na selvageria total. Dos únicos três garotos que parecem
perceber o que está acontecendo, dois são assassinados pelos demais e o último
só não o foi porque, no último minuto, são encontrados por um navio. Isso
depois dos meninos, para encontrar o fugitivo (cujo crime era querer que mantivessem
uma fogueira para serem achados), terem colocado fogo em toda a ilha para encontrá-lo,
possivelmente acabando com as árvores frutíferas que até então os alimentara.
Voltar para a casa e ao noticiário rotineiro depois
dessas experiências não me trouxe uma boa sensação, embora tenha me ajudado a
entender o que parece ser um transe coletivo que se apossou da maior parte dos
brasileiros, que aceita passivamente (ou festivamente) o desmonte de tudo o que
tínhamos de civilizado. Tanto a saga dos incas como a dos meninos de Golding me
mostraram que distopias acontecem na ficção, mas também na vida real.
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