Pular para o conteúdo principal

Zaratustra falou, mas não entendi

Li ‘Assim Falou Zaratustra’ inteiro e entendi quase nada, embora tenha adorado a poesia de


Nietzsche. Certos trechos são muito lindos, mas incompreensíveis para uma reles mortal como eu. Em seu mundo, mulheres praticamente não existem, a não ser em menções misóginas, do tipo “coisas de mulherzinhas” para se referir a algo que considera fraco, dissimulado ou pouco inteligente. “Que o homem tema a mulher quando ela ama: pois então ela faz qualquer sacrifício, e todas as outras coisas são-lhe sem valor. Que o homem tema a mulher quando ela odeia: pois o homem é apenas mau no fundo da alma, a mulher, porém, é ruim. A quem odeia mais a mulher? – Assim falou o ferro ao ímã: ‘Odeio-te mais que tudo porque atrais, sem seres forte o suficiente para me reter’.” O melô da misoginia.

Ele também despreza os homens em geral e procura por um super-homem, ou homem mais elevado, cuja definição é impossível decifrar. Dá a impressão que nem o próprio Zaratustra sabe, pois está sempre irritado com aqueles que aparecem e são reconhecidos como tal. Ele destila tanto ódio e preconceito ao longo do caminho, que acredito ter sido, como muitos afirmam, uma inspiração para o nazismo. Somar “super-homem” a “vontade de poder” dificilmente pode dar um resultado muito diferente disso.

Mas há ideias interessantes, as quais ele se contradiz em alguns momentos. A mais clara opinião de Zaratustra, é contra a religião. Para ele, deus está morto e seus seguidores são os maiores responsáveis pela decadência do homem ocidental. Talvez essa seja a parte da qual concordo com ele. Para o profeta de Nietzsche, os sacerdotes “são prisioneiros e homens marcados. Aquele a quem chamam de libertador os pôs em cadeias: - Em cadeias de falsos valores e palavras ilusórias! Ah, pudera alguém libertá-los de seu libertador! (...) Falsos valores e palavras ilusórias: eis os piores monstros para os mortais, - por longo tempo dorme e aguarda neles a fatalidade.” O problema é a dificuldade de encontrar uma alternativa viável a tudo isso. Em ‘Assim Falou Zaratustra’, Nietzsche parece condenar o niilismo, mas terminamos mais pessimistas e céticos ao seu final.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Clubes de leitura: revoluções individuais a partir dos livros

Quem me conhece sabe da importância que participar de um clube de leitura tem na minha vida. Especial para mim e para as demais membras, o Círculo Feminino de Leitura-CFL, ao invés de se tornar rotina, foi ganhando maior espaço em nossas vidas ao longo do tempo e transfomou nossa maneira de ver o mundo. Por isso, ao receber da Nivia, uma de minhas companheiras de CFL, uma foto do livro Clubes de Leitura – Uma aposta nas pequenas revoluções (Solisluna Editora), de Janine Durand e Luciana Gerbovic, fiquei com coceira nos olhos e fui correndo comprar. As autoras escrevem a partir de suas experiências de mediadoras de clubes de leitura e abordam o potencial da literatura como caminho para libertação pessoal. Advocam que a literatura é um Direito Humano, mas pouco respeitado no Brasil. As duas são articuladoras do Programa Remição em Rede, que fomenta clubes de leitura em unidades prisionais para remição da pena por meio da leitura. Trazem depoimentos tocantes de pessoas transformadas pelo

Calorão no inverno parece bom, mas não é

Lembro de acordar e sentir cheiro de orvalho, encontrar o chão do quintal e as calçadas molhadas de manhãzinha. Era assim todos os dias em São Paulo. E lembro de como odiava os dias garoentos do outono e o frio no meu aniversário, no final de julho. E de reclamar durante agosto inteiro de me levantar cedo para ir para a escola. Detestava ter que me agasalhar demais, às vezes com toca e luvas, e ainda me sentir gelada. Mas tudo isso foi há muito tempo, quando eu era criança. Já na faculdade de Geografia, aprendi com a professora Magda Lombardo o que eram as ilhas de calor e como a urbanização levou embora o orvalho e a garoa da cidade, aumentando sua temperatura. Nada que se compare, porém, com este inverno atípico que assistimos agora, sem saber se ele é apenas excepcional ou o novo normal. A questão é que, para a maior parte das pessoas, que gostam de sol e calor, este tem sido um inverno bom, e estou entre elas. É delicioso não precisar usar casacões, poder dormir, no máximo, com

Com os incas, aprendi que distopias acontecem

Sempre quis conhecer Machu Picchu pela incrível beleza da cidadela, mas pouco sabia do império inca, além do fato de ter se estendido por grande parte da costa oeste do continente sul-americano e ter desaparecido com a chegada dos espanhóis. Descobrir que o Peru é um país inca – ou pelo menos o estado de Cusco com certeza o é -, foi uma surpresa. Encontrei uma população preocupada em recuperar todos os aspectos de sua cultura usurpada há 500 anos pelos conquistadores europeus e rever cada pedacinho de sua história. Machu Picchu, a joia que os espanhóis não acharam. O que ouvi de guias, motoristas, vendedores, artesão, garçons e todas as pessoas com que tive contato é uma versão ainda impensável no Brasil, país onde seus habitantes originais foram praticamente exterminados e os poucos que resistiram ainda precisam lutar por seu reconhecimento e, no momento, por garantia de vida. Lá, a população majoritariamente de descendência índia tem mais facilidade em se identificar com aque