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A Fera na Selva

 


John Marcher achava que algo grandioso, mas muito grandioso mesmo, aconteceria com ele a qualquer momento. Uma coisa tão impactante como o aparecimento de uma fera na frente de uma pessoa andando pela selva. Tinha tanta convicção disso que atravessou a vida aguardando esse acontecimento. A força dessa espera deixou tudo o mais tão desimportante, que John Marcher praticamente passou pelo mundo sem nenhuma experiência significativa. Sobretudo, não amou – ou não soube identificar o amor. Dividiu esse segredo (sobre a convicção da chegada do acontecimento) ainda muito jovem com May Bartram, a amiga que o acompanhou durante toda a jornada.

John Marcher era um dândi, bem-educado, boa gente, rico; o protagonista da novela A Fera na Selva, do estadunidense naturalizado britânico Henry James. Não precisou lutar pela sobrevivência, mas viajou, teve amigos, mas nada construiu. Vivia narcisisticamente se considerando tão importante que o destino só poderia ter grandes planos para ele. Foi incapaz sequer de enxergar o amor e a fidelidade de May ao longo dos muitos anos em que conviveram.

Este livro marcante foi a primeira indicação da Beth para o Círculo Feminino de Leitura e nos instigou a não esperar pela fera, mas procurar por ela diariamente, reconhecê-la, enfrentá-la e - como nos instou Contardo Caliggaris, em O Sentido da Vida, lido recentemente no CFL - lutar com ela para tornar nossa vida interessante: para nós, para o mundo e para a pessoas que amamos.

Melhor ainda, resolvemos soltar nossas feras para não ficarmos presas em nossas próprias expectativas irreais. Foi o que fizemos no nosso encontro: soltamos nossas feras, caímos na gandaia, entramos na festa do Dancin’ Days com as Frenéticas e dançamos sem parar.



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