Lembro de acordar e
sentir cheiro de orvalho, encontrar o chão do quintal e as calçadas molhadas de
manhãzinha. Era assim todos os dias em São Paulo. E lembro de como odiava os
dias garoentos do outono e o frio no meu aniversário, no final de julho. E de
reclamar durante agosto inteiro de me levantar cedo para ir para a escola.
Detestava ter que me agasalhar demais, às vezes com toca e luvas, e ainda me
sentir gelada.
Mas tudo isso foi há
muito tempo, quando eu era criança. Já na faculdade de Geografia, aprendi com a
professora Magda Lombardo o que eram as ilhas de calor e como a urbanização
levou embora o orvalho e a garoa da cidade, aumentando sua temperatura. Nada
que se compare, porém, com este inverno atípico que assistimos agora, sem saber
se ele é apenas excepcional ou o novo normal.
A questão é que, para a
maior parte das pessoas, que gostam de sol e calor, este tem sido um inverno
bom, e estou entre elas. É delicioso não precisar usar casacões, poder dormir,
no máximo, com uma manta levinha, ver as sorveterias lotadas nos finais de
semana. Acordar cedo para fazer exercício é quase um prazer.
Nosso dilema, como defende meu amigo Alexandre Mansur, é como lidar com a dissonância cognitiva do aquecimento global em nossas vidas. Costumamos nos encontrar, de vez em quando, para falar de literatura e desses temas nada amenos relacionados ao meio ambiente. Nosso último papo, no meio da última onda de frio na cidade, foi justamente sobre o não inverno que vivemos e o desafio de aproveitar algumas das benesses das mudanças climáticas, como o clima ameno fora de época, sem ilusões, assunto recente de sua coluna no jornal O Globo. Na sua última coluna, no fim de semana passado, ele volta ao tema a partir de uma chateação: por conta do calor, os “bichinhos da luz” chegaram prematuramente para nos irritar.
Sabemos que esse é um
incômodo pequeno, fácil de suportar, mas serve de alerta sobre outras mazelas
que estão aí e nem percebemos, como os problemas de saúde causados pela secura
do ar ou a poluição já tradicional desta época do ano, agora potencializada
pela fumaça dos incêndios amazônicos, que chegam pelos rios voadores. Ou a
possibilidade de voltarmos a conviver com uma seca como a de 2015, que quase
levou a cidade ao colapso, caso a redução das chuvas permaneça.
Longe de mim ser
mensageira do apocalipse – as pessoas costumam detestar ambientalistas,
cientistas e jornalistas por isso, e quero ser gostada -, mas não custa nada a
gente pensar um pouco sobre isso neste fim de semana, quando um friozinho
promete nos deixar mais encolhidos em casa.
Um dos trabalhos de que
participei, enquanto estava presa em casa por conta da pandemia de covid, em
2020, foi a edição do Plano de Ação Climática da cidade de São Paulo(PanClima), que consiste em uma série de ações para reduzir as emissões de gases do
efeito estufa no município até 2030 e de zerá-las até 2050. É um plano bem
completo, que poderia, ainda, deixar a cidade bem mais agradável de se viver.
Não faço ideia se alguma coisa do que está ali foi posta em prática ou está em
vias de ser, desconfio de que quase nada. Como estamos perto de eleições
municipais, é um bom momento para questionar candidatos a prefeita(o) e
vereador(a) como como e se pretendem encarar esse assunto. Fica a dica.
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