Tremores e temores
Ao fazer um discurso em
homenagem a seu pai na universidade onde ele lecionou, dois anos após sua
morte, a escritora estadunidense Siri Hustvedt teve uma tremedeira por todo o
corpo, do pescoço para baixo. Ficou desconsertada e preocupada. O que seria
aquilo? Acostumada a dar palestras e entrevistas, não encontrava motivos para o
acontecido. Vítima de fortes enxaquecas desde a juventude, após sofrer mais um
episódio de tremores ao falar em público, passou a pesquisar as causas.
O resultado é o livro A
Mulher Trêmula ou Uma História dos Meus Nervos, no qual retrata sua jornada
em busca do que acontecia com seu corpo e se embrenha no mundo da psicanálise e
da neurologia em busca de respostas. Hustvedt - agora viúva do recém-falecido escritor Paul
Auster - não era uma neófita sobre doenças psíquicas e mentais. Há anos
participava de grupos de estudo sobre o tema e dava aulas de escrita criativa
para pacientes de um hospital psiquiátrico.
Misto de biografia e
ensaio, a obra me encantou por minha identificação com as questões da autora
sobre o que é biológico, o que é mental ou psicológico nas manifestações do
nosso cérebro. O que faz uma pessoa ser mais sentimental, ter um pensamento
mais lógico, ter enxaquecas ou tremer? Como estas manifestações moldam ou são
moldadas pela personalidade?
Há pouco mais de três
anos passei também a ser uma mulher trêmula. No meu caso, o que treme é o
lado
direito do rosto, e, para além do evidente problema estético, às vezes me
atrapalha na leitura e até na fala. Costumo chamar o fenômeno de “presente da
pandemia”, pois começou a aparecer durante o longo isolamento e depressão do
período da covid. Para os neurologistas, porém, o que tenho são espasmos
hemifaciais, uma manifestação neurológica que aparece sem explicações causando
movimentos progressivos, involuntários e irregulares dos músculos inervados
pelo nervo facial. Segundo uma das neurologistas que consultei, é como se
alguns fios tivessem se desencapado e ficassem roçando uns nos outros na minha
cabeça. Até o momento, a única solução – parcial e temporária – que me deram
são aplicações de botox.
Assim como Siri Hustvedt,
gostaria de entender o que, exatamente, acontece com meus nervos. Não me parece
lógico um sinal físico dessa natureza aparecer assim, do nada, e não ter
relação alguma com o momento de fragilidade emocional no qual me encontrava.
Por outro lado, esta
mesma fragilidade emocional também me intriga. Por que me desestruturei tanto
naquele momento? Milhares de pessoas passavam por tragédias imensas e não
ficaram como eu. Estava segura, em nossa chácara, com toda minha família, nenhum
deles internado com covid, trabalhávamos e ganhávamos normalmente. Tive algo
químico ou sou apenas uma pessoa emocionalmente fraca?
Perguntas como estas são instigantes,
porém, não respondem ao essencial: é possível alterar essa condição, seja ela
física ou psíquica? Hustvedt não conseguiu solucionar suas questões neucientíficas
nem seu problema específico. Resolveu aceitar as ambiguidades do cérebro e o
fato de ser uma mulher trêmula. Talvez eu deva fazer o mesmo.
Comentários
Postar um comentário